O humor é indissociável da política e nunca matou ninguém. Ser alvo dele é parte da vida pública e alguns políticos mais espertos toleram com espírito esportivo as gozações que sofrem
Na ânsia de garantir um alto nível nas campanhas eleitorais deste ano, a Justiça acabou por criar uma camisa-de força politicamente correta: o tempo de exposição dos candidatos na mídia tem de observar uma rigorosa equivalência, os comentários dos jornalistas não podem deixar antever qualquer preferência em relação a um ou a outro, a lista do que é proibido supera em muito o que é permitido e o humor, o deboche e a sátira estão banidos.
A contribuição da Justiça Eleitoral para o aperfeiçoamento do processo eleitoral brasileiro ao longo dos últimos 20 anos é notável. Acabou o emporcalhamento das ruas, a vergonha da boca de urna e do aliciamento de eleitores, com lanches e brindes, modernizou e moralizou o processo com as urnas eletrônicas... Uma democracia como a nossa, cuja característica fundamental é o baixo nível de politização dos eleitores, precisava mesmo de uma vigilância rigorosa para não se transformar definitivamente em um pátio de milagres. Mas, se o paciente leitor estiver atento, verá que, na busca da perfeita equidade, quase voltamos aos tempos da Lei Falcão: o locutor recita os nomes e uma frase de efeito, enquanto aparece a foto do candidato: "F ulano de tal, pela legalização das brigas de galo", "sicrana dos anzóis: pela introdução do sudoku nas escolas públicas". Está dada a mensagem.
Parece que a dose de sanitização das campanhas agora foi longe demais, pois campanha sem poder debochar dos adversários, caricaturar suas fraquezas ou tripudiar sobre suas dificuldades e percalços terá a emoção de um campeonato de par ou ímpar. Antes de que os politicamente corretos invoquem o direito constitucional de todo indivíduo à preservação da imagem, já vou esclarecendo que, como tudo, o humor tem limites: não se pode explorar deficiências físicas, imitar gagueiras, brincar com assuntos íntimos, nem atacar a honra das pessoas e de suas famílias. Mas para isso não é necessária uma legislação tão restritiva; o Conar (Conselho Nacional de Autorregulação) faz tudo isso no campo da propaganda.
O humor é indissociável da política e nunca matou ninguém. Ser alvo dele é parte da vida pública e alguns políticos mais espertos toleram com espírito esportivo as gozações que sofrem. O presidente Lula é um bom exemplo: as imitações que o Bussunda, do Casseta e Planeta, fazia dele eram impagáveis e entre as mais inocentes estava sempre a inclinação do presidente por uns gorós e biritas.
Isso não é novo, ao contrário. Com exceção dos presidentes militares, todos os candidatos a qualquer cargo eletivo sempre tiveram de enfrentar o deboche dos adversários e os mais espertos faziam disso uma ferramenta para sua própria promoção. Getúlio Vargas, ditador, ia ao teatro de revistas do Rio para se divertir com as imitações que faziam dele. Jânio Quadros era irascível, mas produziu uma pérola de humor ele próprio quando respondeu a uma repórter por que bebia tanto whisky. "Bebo-o porque líquido é. Se sólido fosse, comê-lo-ia." Uma aula de mesóclises, ênclises e ordens inversas, que devolveu a gozação em grande estilo.
Também não é preciso exagerar. No Rio de Janeiro dos anos 50, o vereador muito votado era Amando da Fonseca, um sujeito magrinho que praticava o mais desbragado clientelismo. Quando entrava nas favelas, era seguido por uma multidão de meninos gritando: "Amando da Fonseca, perna fina e bunda seca". Meninos pagos por ele mesmo com chicletes e balas. Não era um exemplo de cidadania esclarecida e, no momento adequado, a população se cansou do Perna Fina e Bunda Seca e mandou-o de volta para o merecido anonimato.
No Paraná, fiéis à nossa tradição de sobriedade exagerada e de medo do ridículo, o humor é raro nas campanhas eleitorais, embora apareça vez por outra. O inesquecível bordão de Jamil Nakad numa das campanhas para governador, "chega dos mesmos!", é sempre lembrado. Aliás, em vista do que aconteceu recentemente nestas plagas, está cada vez mais atual.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.



