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O ano começou com um tensionamento na relação entre a Arábia Saudita e o Irã. Esta contenda tem impactos regionais e globais. Naturalmente, o mundo assiste atento ao desenrolar da mesma. Para apreender a questão, é preciso observar a sua tripla dimensão.

O modo mais imediato de ler a matéria é por meio da simples oposição entre xiitas e sunitas. Afinal, a recente tensão emergiu quando a Arábia Saudita, país de maioria sunita, anunciou a execução de 47 acusados de terrorismo – dentre eles, Nimr al-Nimr, um clérigo da minoria xiita no país. Esta execução foi fortemente condenada pelo Irã, país de maioria xiita. Parte da população iraniana, inclusive, queimou a embaixada saudita em Teerã em protesto. A disputa transbordou para a região e dividiu apoios e condenações ao longo desta linha sectária, o que só reforça este tipo de enquadramento. Contudo, esta oposição binária evidencia apenas parte da questão. Abaixo dessa superfície, observa-se que a disputa tem outras duas dimensões: uma interna e outra regional.

A disputa entre ambos os países tem um tom marcadamente geopolítico e não cessará em breve.

No plano interno, ambos os governos têm grandes incentivos para operacionalizar a narrativa de um inimigo externo. O objetivo é desviar a atenção das populações de ambos os países das suas grandes dificuldades internas. Por um lado, a população iraniana há tempos sofre com as sanções impostas ao país, parcialmente suspensas em consequência do recente acordo nuclear com os Estados Unidos. Por outro lado, a população saudita também passa por dificuldades. Durante as revoltas árabes, por exemplo, a monarquia chegou a gastar bilhões de dólares em diferentes subsídios à população, buscando evitar que os protestos chegassem ao reino. Tal cenário torna-se ainda mais drástico com o declínio de divisas devido à queda no preço do barril de petróleo.

Contudo, é no plano regional que se observa o cerne da questão – a disputa geopolítica entre Teerã e Riad pela posição de potência regional. Tal rivalidade não é nova e alguns poucos exemplos bastam. Ela existe desde pelo menos 1979, quando a Revolução Iraniana depôs o xá Reza Pahlavi, que mantinha relações próximas com Riad, e levou o aiatolá Khomeini ao poder. Ao longo da década de 80, durante a guerra entre o Irã e o Iraque, a Arábia Saudita apoiou substancialmente o regime de Saddam Hussein. Irã e Arábia Saudita chegaram, inclusive, a ter as relações diplomáticas suspensas entre 1988 e 1991.

A invasão dos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, e a consequente desestabilização do país alteraram o tênue equilíbrio de poder da região, abrindo um importante vácuo político. Consequentemente, tanto o Irã quanto a Arábia Saudita puderam perseguir com ainda mais afinco uma maior preponderância regional. Não por acaso, ambos apoiam lados opostos em conflitos importantes da região, como no Iêmen, na Síria e no Líbano. O recente acordo nuclear, ao parcialmente tirar o Irã da marginalidade internacional, adiciona mais um ingrediente nesta disputa.

A disputa entre ambos os países tem um tom marcadamente geopolítico e não cessará em breve. Precisamente por isso, o fato de todas as questões estruturantes da região e, consequentemente, do globo – conflito na Síria, reconstrução do Iraque, combate ao Estado Islâmico – terem de necessariamente passar por Teerã e Riad é desassossegador.

Ramon Blanco, doutor em Relações Internacionais, é professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) e docente no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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