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A despolitização da economia

Em seus primórdios, a ciência econômica denominava-se "Economia Política". A diferença não é apenas semântica. Adam Smith e Karl Marx não imaginavam tratar questões econômicas desvinculadas de suas relações políticas e sociais. A "evolução" da "ciência econômica" ao longo dos últimos séculos foi justamente no sentido oposto à visão clássica. A despolitização das questões econômicas passou a ser vista quase como uma exigência de seu caráter científico. A discussão sobre a independência do Banco Central deve ser entendida neste contexto. Sua história recente é vinculada à adoção dos regimes de metas de inflação. Os defensores dessa tese sustentam que, no regime de metas, a independência do Banco Central se constituía numa ação necessária para resguardar os gestores da política monetária de qualquer influência da sociedade que possa desviar suas ações de seu objetivo primordial, o controle da inflação.

Leia a opinião completa de Marcelo Curado, professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR.

A década de 1970 foi marcada por seguidos choques do petróleo, inflacionando grande parte das economias industrializadas à época. No campo teórico, renomados economistas argumentaram de forma contundente a favor das ações da autoridade monetária na busca pela estabilidade de preço, como objetivo primordial. Demonstraram, através de modelos matemáticos sofisticados, que a política monetária não gera efeitos permanentes sobre o nível de emprego. Apenas transitórios. Ou seja, cria-se a possibilidade, por exemplo, de um governo democraticamente eleito utilizar um banco central (BC) subserviente para, discricionariamente, emitir moeda. No curto prazo, teríamos um aumento no nível de emprego e da popularidade do governo. Mas, com o tempo, o BC deixaria a economia sobre um preocupante e persistente processo inflacionário.

Com efeito, para minimizar as influências políticas, torna-se fundamental criar mecanismos que inibam tais flutuações econômicas e, ao mesmo tempo, estabilizem as inter-relações entre a tríade governo, inflação e banco central. As propostas foram orientadas no sentido de criação de regras para a condução da política monetária em um ambiente de independência do banco central (IBC).

Neste contexto, há duas formas de IBC. A primeira consiste em independência de objetivos e metas; a segunda, em independência operacional. A independência de objetivo refere-se à liberdade que o BC possui para definir suas diretrizes de política econômica. O problema é que o governo e a sociedade, neste caso, são deixados de lado, gerando até mesmo instabilidades na tríade supracitada. Seria como jogar fora o bebê com a água do banho. O mais sensato para buscar e manter um ambiente econômico, democrático e social saudável seria fortalecer a independência nas operações da política monetária.

A Lei Humphrey-Hawkins, aprovada pelo Congresso dos EUA em 1978, determinou os objetivos do Fed (o BC dos EUA): a busca do máximo emprego com preços estáveis e taxas de juros de longo prazo moderadas. Isto é, o Fed não tem autonomia de objetivos e persegue uma meta implícita de inflação de aproximadamente 2% ao ano. Contudo, cabe destacar que sua dependência institucional apresenta características que imprimiram uma maior autonomia na operacionalização de sua política monetária. Sem sombra de dúvidas, o Fed é um dos bancos centrais mais independentes do mundo e seu presidente é nomeado para um mandato de quatro anos, não coincidentes com o do presidente dos Estados Unidos. Com isso, um novo presidente da República não pode indicar imediatamente seu preferido para a presidência do BC. Outra característica peculiar do Federal Reserve System é que, tecnicamente, ele não faz parte de nenhum dos poderes. Seu orçamento é independente. O fato central é que o Fed foi criado pelo Congresso, que poderia eliminá-lo se assim desejasse, ou até mesmo anular uma decisão de política econômica. Por isso, o presidente do Fed testemunha duas vezes ao ano no Congresso para esclarecer questões-chave.

Recentemente, o Banco Central do Brasil (BCB) foi acusado de sofrer pressões da Presidência da República para reduzir a taxa de juros. Uma das formas de reduzir essa percepção e aperfeiçoar sua independência operacional seria vincular sua ação mais ao Congresso Nacional e menos ao Ministério da Fazenda. Teríamos, portanto, um BCB mais autônomo e, ao mesmo tempo, respeitando o equilíbrio político-social.

Lucas Lautert Dezordi é coordenador do curso de Ciências Econômicas da Universidade Positivo.

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