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Qual é o verdadeiro debate sobre alimentos ultraprocessados

(Foto: Victoriano Izquierdo/Unsplash )

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Muitas pessoas estão promovendo debates inflamados sobre os supostos alimentos ultraprocessados, mas se esquecem de deixar claro quais produtos podem ser classificados dessa forma e o porquê. Muito é divulgado sem indicação de pesquisas para apontar quais características seriam capazes de quais tipos de danos ao consumidor para receber essa classificação “do mal”. São muitas generalizações e reducionismos divulgados por aí.

A tese da classificação NOVA, base conceitual do Guia Alimentar para a População Brasileira, Ministério da Saúde, enuncia que existem vários alimentos processados com efeitos adversos à saúde humana, ao meio ambiente, à cultura alimentar, à diversidade culinária etc. Tais efeitos seriam consequência de uma extensa lista de características supostamente ruins, de uma ampla lista de categorias de alimentos industrializados. Mas a rigor, conforme a NOVA, deveriam ser classificados como ultraprocessados somente produtos contendo as características listadas e tendo sido comprovados os tais efeitos adversos. Não bastaria dizer que um alimento é ultraprocessado pelo nome de sua categoria ou porque tem, por exemplo, soro de leite ou edulcorante em sua composição. Mas é isso que acontece nos discursos atuais.

A classificação de um alimento como ultraprocessado dependeria da demonstração do encadeamento lógico produto-característica-efeito adverso. Ou seja, identificar a presença de determinada característica de um produto que teria algum efeito adverso, comprovadamente

Para investigar o consumo de ultraprocessados, por exemplo, a pesquisa Vigitel 2006-2023, Ministério da Saúde, questionou entrevistados sobre consumirem ou não alimentos identificados apenas pelo nome de suas categorias. Mas bastaria ser chocolate ou sorvete para ser ultraprocessado? Assim como essa, outras pesquisas identificam ultraprocessados apenas pelos nomes de categorias de produtos, ignorando se têm as características da NOVA na composição. Trata-se de uma análise imprecisa que, como agravante, se propõe a orientar políticas públicas.

Além do viés da classificação de um produto como ultraprocessado somente pelo nome, também é comum taxá-lo por conter uma única característica estabelecida pela NOVA, seja por conter algum aditivo ou matéria-prima industrial. Convenhamos: faz sentido? Só um item basta para causar obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, mortalidade e os demais efeitos adversos que os defensores da NOVA relacionam aos alimentos industrializados? É muito questionável a fala sobre ultraprocessados existir dessa forma, pior ainda ela ser usada para propor ou mudar uma legislação.

VEJA TAMBÉM:

O Decreto 11.936, de 5 de março de 2024, que dispõe sobre a composição da cesta básica de alimentos, e o Projeto de Lei 00239/2022, que visa disciplinar a propaganda e venda de alimentos ultraprocessados, são outros exemplos de discurso reducionista da lógica proposta pela NOVA. Estabelecem, por sua vez, que os alimentos ultraprocessados são “formulações industriais feitas tipicamente com aditivos alimentares ou substâncias de raro uso culinário” e “feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos, derivadas de constituintes de alimentos ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão”. Entretanto, não seria necessário deixar evidente quais são os tais “efeitos adversos” à saúde? Não seria necessário consultar a Anvisa, autoridade sanitária brasileira, que já comprovou a segurança e eficácia dos citados aditivos e matérias-primas alimentares usadas nas formulações industriais, antes de fazer esse tipo de afirmação?

Portanto, em sentido estrito, a classificação de um alimento como ultraprocessado dependeria da demonstração do encadeamento lógico produto-característica-efeito adverso. Ou seja, identificar a presença de determinada característica de um produto que teria algum efeito adverso, comprovadamente. Afinal, se não é com base nessa lógica, como um todo, que se pretende melhorar a alimentação da população, sobre o que as pessoas estão falando, de fato, quando promovem esse debate?

Raul Amaral é doutor em Administração e engenheiro de alimentos.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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