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Há alguns anos, na primeira vez que fui entrevistado no Roda Viva da TV Cultura, em 2011, disse uma frase que até hoje ressoa: “O Viagra fez mais pela humanidade que 200 anos de marxismo”. Legiões de haters, essa nova atividade nascida com as redes sociais, abominam essa afirmação e a tomam como “alienada”. O hater é o irmão gêmeo do loser –a diferença é que o loser não é histérico. De fato, pode parecer uma comparação absurda, mas ela é, na verdade, bastante séria em termos filosóficos, sociológicos e psicológicos.

Mas, antes, deixemos claro que o contexto era de crítica ao marxismo, óbvio. Mas não ao marxismo como método materialista enquanto tal. Considero o método materialista uma ferramenta, entre outras, bastante eficaz na análise da história e da sociedade. O que considero delirante é sua dialética metafísica envergonhada em nome do “bem político”: a história não está caminhando para lugar nenhum, e a violência entre as “classes” é parte da violência generalizada do mundo, sem foco, sem destino, sem causa “racional”, e quem se diz a favor do “bem político” é só gente autoritária e mentirosa.

Os marxistas estão errados em sua análise histórica metafísica. O marxismo se tornou (não era) um cabide de emprego para professores e intelectuais medíocres em geral. Prefiro métodos mais modestos, como o do filósofo Isaiah Berlin (já no século 20). O autor inglês dizia que você pode ser um porco-espinho ou uma raposa em matéria de método de estudo ou pensamento. Porcos-espinhos, como Marx e Freud, pensam que uma ferramenta grandiosa, à qual dedicam suas vidas inteiras, pode iluminar o mundo todo, ou quase todo ele. Raposas, como o próprio Berlin, são intelectuais “vadios” e “volúveis”, como raposas que cheiram tudo e usam tudo que lhe é útil sem “fidelidades conceituais quaisquer” ou respeito pela “totalidade” de conceito algum. Para uma raposa, nunca se está chegando perto de alguma “verdade definitiva”, nem em termos de método, nem em termos de objeto.

Quem se diz a favor do “bem político” é só gente autoritária e mentirosa

Considero-me mais uma raposa que um porco-espinho, por isso considero o materialismo histórico essencial como análise de mundo, mas o “resto” profético marxista (o que de fato é pregado pelos seus apóstolos) em nome do “bem social dos mais fracos” parece-me um delírio metafísico infantil ou perverso.

E o Viagra com isso? Filosoficamente, diríamos que ele faz parte do espectro materialista bioquímico, “apenas”. Trata-se de uma molécula, “apenas”. Fruto da pesquisa farmacêutica. Quando afirmo que ele fez mais pela humanidade que 200 anos de marxismo, quero dizer que uma “mísera” molécula faz mais pela humanidade do que um monte de gente “bem-intencionada” masturbando-se intelectualmente a fim de atingir seu próprio gozo moral de “gente legal” com o mundo. Cientistas trabalhando em troca de salários ajudaram muito mais a humanidade com sua “mísera molécula” do que os revolucionários da igualdade.

Sociologicamente falando, uma medicação é fruto do interesse em lucro da indústria farmacêutica, normalmente vista pelos bonitinhos como malvada e porca capitalista, enquanto o marxismo é um grupo de pessoas pensando para o “bem” da humanidade. E aí vem o susto! Os porcos capitalistas e seus alienados cientistas fizeram mais pela humanidade que 200 anos de gente bonitinha junta “rezando”.

Psicologicamente falando, o Viagra é a prova de que o materialismo bioquímico pode causar transformações psíquicas e psicossociais às vezes mais determinantes que teorias mirabolantes sobre o que fazer para as pessoas superarem um dia a dia esmagador e sem sentido.

Com isso, não quero negar o valor da psicanálise nem certos efeitos nefastos de alguns psicofármacos; apenas dizer que, às vezes, a simples recuperação de funções fisiológicas essenciais leva a vida “para o lugar certo” rapidamente, sem discursos sofisticados sobre o que vem a ser a vida psicológica sã. Esse é um caso semelhante ao da pílula anticoncepcional e o feminismo. Sem a pílula, o feminismo seria uma mera seita, como o marxismo se tornou.

Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.
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