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Senado denúncias furtos Congresso
Manifestantes escalaram a cúpula do Senado, no Congresso, durante a invasão que resultou em danos e furtos.| Foto: André Borges/EFE

Os ataques às sedes dos Três Poderes da República foram má notícia para todos os brasileiros, mas são particularmente ruins para quem acredita que a política já governa áreas demais das nossas vidas. Isto é, para quem deseja ver mais decisões delegadas à sociedade e menos decisões nas mãos do Estado.

Os vândalos, partidários de um golpe de Estado, atiraram em seus pés e nos pés de todos que valorizam a liberdade individual. Após um ataque tão grave ao coração da República, o Estado fortalece suas defesas para que situações similares não se repitam. Os saqueadores de prédios públicos não atingiram nenhum dos seus objetivos, pelo contrário. Atraíram para si a reprovação da maioria do país, inclusive dos seus aliados.

Os golpistas não causaram arranhões relevantes na ordem democrática, mas despertaram seus mecanismos de autodefesa.

E é natural que seja assim. Milton Friedman, economista vencedor do Prêmio Nobel de 1976, falava sobre a necessidade de se plantar as sementes da liberdade para que, no futuro, elas florescessem e pudessem ser colhidas pelos políticos que desejassem ser populares. A história nem sempre seguirá assim, claro, pois muitos desejam cultivar o autoritarismo e pisar nas flores da prosperidade. Mas a filosofia da liberdade é uma ideologia de paz. Para mudarmos os rumos de uma sociedade moderna são necessários argumentos e convencimento. Violência é barbárie.

As imagens das centenas de vândalos saqueando e destruindo parte das sedes dos três poderes da república ficarão conosco por muito tempo. Pautarão políticas governamentais e o debate público nos próximos anos; levarão à determinação de normas de segurança e novos atos do Supremo Tribunal Federal; deixarão uma sombra sobre as instituições encarregadas da proteção dos bens públicos danificados; viabilizarão e inviabilizarão candidaturas para as próximas eleições; e, principalmente, colocarão na defensiva, imediatamente, toda a oposição ao governo Lula e aos excessos dos ministros da Suprema Corte nacional.

Tudo isso, por nada: o presidente eleito nas eleições de 2022 continua no Palácio, Alexandre de Moraes segue em seu posto, Bolsonaro permanece nos Estados Unidos, e as Forças Armadas continuam nos quartéis. Tudo exatamente como determinado pela Constituição de 1988, documento cujo exemplar simbólico foi roubado por manifestantes bolsonaristas, e posteriormente exibido como troféu por um saqueador de pé sobre a estátua da Justiça. Mais simbólico, impossível.

Para mudarmos os rumos de uma sociedade moderna são necessários argumentos e convencimento. Violência é barbárie.

Os golpistas não causaram arranhões relevantes na ordem democrática, mas despertaram seus mecanismos de autodefesa. Algumas das bases fundamentais da nossa organização social, mesmo que apenas receptoras simbólicas de poderes concedidos pelos indivíduos, foram violadas. A resposta do poder público precisa ser imediata para que não se gerem desconfianças sistêmicas: se o Estado falha em proteger seu coração, como poderia defender nossas famílias?

Atraídos pelo mito da vitória pela força, militantes políticos tentaram impor suas visões pela violência, mas foram derrotados pela realidade. É impossível sabermos o que passava pela cabeça dos manifestantes que desciam a Esplanada dos Ministérios. No entanto, é certo que, entre seus planos, não estava a associação com saqueadores, depredadores de prédios públicos ou homem sem calças agachado sobre uma mesa do Supremo. Para eles, hoje presos e processados, os meses de acampamento e a viagem à Capital Federal foram uma aposta errada. Depois da ação na Praça dos Três poderes, o Brasil piorou e as suas vidas também.

O brasileiro tem razão de não gostar da política, mas ela é nossa melhor alternativa ao conflito, à violência e à desordem. A ruptura antidemocrática é uma ação de guerra. A violência que as caracteriza não é gratuita, mas seu componente essencial. Ela não oferece ressalvas ou proteção às crianças, mulheres e idosos. O salto para a ilegalidade é uma via de mão única: a violação da lei não admite emendas ou pedidos de desculpas. Um golpe é a imposição das vontades e ideias de um grupo, pela força, sobre grupos que contra ela resistem. Em meio à turba, as intenções bastam.

Se obtivessem algum tipo de sucesso, o Brasil amanheceria isolado na segunda-feira. Líderes políticos de todo o mundo, de Vladimir Putin a Joe Biden, manifestaram sua solidariedade e apoio à ordem democrática brasileira. Pela força, só se muda a política com muitos tanques, mas isso ficou também no passado. Mesmo que tivessem ocupado os prédios que destruíram, os golpistas acabariam falando e trabalhando sozinhos. O Brasil precisa negociar, comprar e vender, e a ruptura política nos deixaria ainda mais economicamente isolados do que nós – voluntariamente – já nos colocamos.

Thomas Jefferson, um dos fundadores dos Estados Unidos, escreveu certa vez aconselhando um jovem: “Quando estiver com raiva, conte até dez antes de falar; se estiver com muita raiva, conte até cem”. Cegos pela paixão política, com raiva, e talvez até com uma genuína vontade de serem úteis ao país, os saqueadores atentaram contra si e suas famílias ao depredarem o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, e o Supremo Tribunal Federal. Agora, muitos serão presos e terão tempo de descanso para refletir sobre os seus atos.

As tristes imagens ilustrarão lições escolares no futuro, retratando um período de radicalização política e de teste dos alicerces de uma democracia que ainda não completou quatro décadas. Elas serão memórias de um dia em que bens e vidas foram destruídos, sem que nenhuma vitória pela liberdade fosse alcançada.

Magno Karl, cientista político, bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ, mestre e doutorando pela Universidade de Erfurt (Alemanha), e PhD fellow da Fundação Naumann (Alemanha), é pesquisador do Instituto Cato (EUA), cofundador do antigo Instituto Ordem Livre e diretor executivo do Livres.

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