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Opinião do dia 1

Voto nulo: liberdade ou sacrifício da cidadania?

A proximidade das eleições 2006 e o descrédito nas instituições democráticas, por conta de corrupção e outras mazelas, justificam a necessidade de se reforçar a importância da democracia e de se examinar as conseqüências do voto nulo.

A liberdade é a essência da democracia, regime que nos garante, inclusive, o direito de, no seu momento máximo (eleição-participação popular) negar validade ao exercício da livre escolha, dela abrindo mão por voto nulo. O jurista Prado Kelly, citado por Pinto Ferreira em seu Código Eleitoral Comentado, assim discorreu quanto ao voto: "Voto é liberdade, e esse se manifesta por ação ou omissão, desde que seja cumprido o dever de comparecimento aos colégios eleitorais. Ninguém forçará um homem livre a proclamar a dignidade ou as virtudes de dezenas de cidadãos inscritos (candidatos), os únicos entre os quais se lhe permite distribuir os sinais de sua simpatia ou de seu apreço. A lei o obriga a votar, porque é um ônus da cidadania; mas não lhe impõe um candidato – porque ao Estado e seus agentes não é dado violar as defesas da consciência e do mundo subjetivo."

A Constituição Federal e a lei eleitoral consideram válidos, para o resultado de uma eleição, somente os votos dados aos candidatos e aos partidos políticos, seja eleição majoritária (para presidente, governador, prefeito e senador), seja proporcional (deputado federal, deputado estadual/distrital, vereador).

Os votos em branco e os votos nulos não são considerados para a definição dos eleitos. O voto em branco faz parte das opções da urna eletrônica, não trazendo qualquer conseqüência para a validade de uma eleição, significando que o eleitor, embora pudesse escolher candidato ou partido, não o fez, deixando que os destinos da Nação, do estado ou do município fiquem nas mãos daqueles que validamente votaram. Seria também a hipótese em que o eleitor não tem, no rol de candidatos, ninguém que creia capaz ou digno de representá-lo, nem mesmo um partido em que confie. De qualquer modo, é sinônimo de "lavar as mãos".

Já o voto nulo não produz efeito porque o eleitor o invalidou deliberadamente, repudiando o próprio direito de escolha, ou seja, é como se o eleitor não existisse. Neste caso, porém, a conseqüência pode ir além do interesse do eleitor que anulou seu voto, atingindo toda a eleição quando os votos nulos forem superiores à metade do número de eleitores. Isso pode ocorrer, por exemplo, no caso de número expressivo de votos nulos por conta de votação em candidato que tenha seu registro cassado, os quais, somados aos votos anulados pelos eleitores, representarem mais da metade do colégio eleitoral. Neste caso, a eleição será nula (não terá validade) e outra deverá ser realizada em 20 ou 40 dias.

Qualquer que seja o motivo capaz de levar o eleitor a pensar em anular seu voto (revanche, repúdio aos políticos, descrença, convicção em arruinar o próprio direito de escolha), sem pretender expressar opinião que possa tolher a sagrada liberdade de escolha, tenho que bem ilustra o risco do voto inválido (nulo) singela estória lembrada pelo ilustre jurista paranaense, professor René Ariel Dotti, em palestra proferida neste ano, durante aula inaugural do curso anual da Fundação Escola do Ministério Público do Paraná, a quem peço escusa por eventual imprecisão: o galo foi ao terreiro e, bastante nervoso, disse a todos estar preocupado com a doença do dono da propriedade, acamado há dias. O porco não se abalou e falou que aquilo não o interessava diretamente, voltando a chafurdar. No dia seguinte, a dona da casa resolveu confortar o doente fazendo uma "canja caipira". Foi o suficiente para que o porco procurasse a vaca, manifestando, agora, preocupação. A vaca disse que tal assunto não lhe dizia respeito, chegando a protestar, pelo incômodo, com um sonoro muuuuu! Dias depois, persistindo a doença, a dona da casa buscou "sustância" para o doente fazendo uma feijoada – e lá se foi o porco. Apesar do esforço, o doente faleceu. Para o velório compareceram muitos parentes e amigos. Para alimentar a todos, a viúva não pensou duas vezes – providenciou suculentos bifes de vaca.

Armando Antonio Sobreiro Neto é promotor de justiça do Centro de Apoio às Promotorias Eleitorais do Ministério Público do Paraná.

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