Desde o fim da Ditadura Militar, iniciada após o golpe de 1964, foi apenas em meados da década de 1980 que, entre tapas e beijos, começamos a praticar a liberdade, o estado de direito, a democracia. Tivemos oito eleições presidenciais, dois impeachments, vários escândalos com dólares na cueca, em sacos e em maletas. Nem sempre os culpados eram culpados, muitas vezes os culpados escaparam e, por fim, tivemos os muito culpados e os pouco culpados. Mas, chegamos aqui.
No aspecto tecnológico, criamos um dos mais perfeitos sistemas eleitorais do planeta. Votamos e, no mesmo dia, os mais de 156 milhões de eleitores sabem quem foram os eleitos. Em 26 anos de urnas eletrônicas não houve nenhuma fraude confirmada, apenas nhe-nhe-nhem de perdedores e sem qualquer fundamento.
Seu voto pode ser uma ferramenta para a construção de um tempo de paz e prosperidade. Entretanto, pode ser uma arma atirando contra todos nós.
Quanto ao aspecto legal, ao contrário, muito pouco se avançou. Os ocupantes dos cargos do Executivo (prefeito, governador e presidente) e do Legislativo (vereador, deputado estadual, deputado federal e senador) são escolhidos pelas atuais regras. Muito se debateu sobre transformações, mas não se chegou a resultado algum.
Os que estão hoje atuando nesses cargos não gostam de mudanças, são acomodados e buscam estar seguros nas regras que já conhecem. E o mais grave, tramitam na Câmara Federal e no Senado vários projetos de lei mal-intencionados e visando piorar nossa legislação eleitoral.
As dificuldades no aperfeiçoamento não estão só no Legislativo e no Executivo. O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2006, considerou inconstitucional, por unanimidade, a lei que criava a cláusula de barreira, medida para estruturar de modo responsável os partidos políticos e a sua atuação. Também não avança qualquer proposta que pretenda acabar com a farra dos oportunistas, que trocando de partido não respeitam programas, ideologias e, pior, o voto do eleitor.
De todo modo, no balanço final, o Brasil avançou. Entretanto, nossa frágil democracia sempre está sob ameaças. O obscurantismo, as ditaduras modernas, as tentativas de golpes dentro da Constituição estão “atentas e operantes”. Exemplos disso são o movimento pela volta do voto impresso e as defesas de golpe feitas por grupos radicais.
Em tempo de campanhas eleitorais, vale lembrar o passado. Não precisamos de salvadores da pátria, nem de heróis. Muito menos de oportunistas. Chega! Já criamos muitos problemas votando, chegou a hora de votando resolvermos esses problemas.
Eis um pensamento bastante apropriado no Brasil que estamos vivendo. Como pretendeu o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898/1956), que sirva para gerar reflexões e provocar atitudes: “Desconfie do mais trivial: na aparência singela. E examine, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceite o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.”
Seu voto pode ser uma ferramenta para a construção de um tempo de paz e prosperidade. Entretanto, pode ser uma arma atirando contra todos nós... Quem decide é você.
Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi) e “Educação S/A” (Pearson).
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