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O caso do último bloqueio judicial do WhatsApp merece reflexões. O tema é interessante porque apresenta a conexão entre as fronteiras do Direito e das tecnologias de comunicações. Vale a análise sobre o conflito entre o direito à privacidade dos usuários e a segurança pública, nas situações de investigação policial e ou penal, para fins de obtenção de conteúdo das comunicações de dados no âmbito privado, em cumprimento à determinação da Justiça.

O tema ainda ganhou destaque na imprensa devido à operação da Polícia Federal na investigação em atos preparatórios de terrorismo, às vésperas da Olímpiada. Cabe lembrar que no último caso do bloqueio do WhatsApp, o STF decidiu por manter o seu funcionamento, sob os fundamentos de que a decisão de bloquear o aplicativo de comunicações em todo território nacional, por magistrada do Rio de Janeiro, violava os direitos à liberdade de expressão e de comunicação, o princípio da proporcionalidade, bem como para evitar o estado de insegurança jurídica entre os usuários do aplicativo.

No caso do WhatsApp duas situações de fato devem ser diferenciadas, sob a ótica da legislação. Uma, o uso lícito do aplicativo do WhatsApp nas comunicações de pessoas e empresas, em seu âmbito privado, pela maioria dos cidadãos brasileiros. Outra situação diferente é a utilização ilícita do aplicativo de comunicações para a prática de delitos por algumas pessoas, contra a coletividade.

Há a necessidade de análise rigorosa da constitucionalidade de eventual projeto de lei que trate da quebra de criptografia dos aplicativos de comunicação

A Constituição Federal do Brasil, em seu art. 5º, inc. XII, garante o direito à inviolabilidade ao sigilo das comunicações de dados. Mas, como exceção, no mesmo dispositivo, a Constituição trata da hipótese da quebra do sigilo das comunicações de dados nos casos de investigação criminal ou instrução processual penal. Portanto, de acordo com a Carta, a lei pode disciplinar as hipóteses de quebra do sigilo das comunicações, mediante a devida ordem judicial e a garantia do devido processo legal.

Destaque-se que, nos termos do Marco Civil da Internet, em seu art. 15, o provedor de aplicações de internet (como é o caso do WhatsApp) tem a obrigação legal de manter os respectivos registros de acesso às aplicações no período de seis meses. Mas, esse mesmo provedor não tem a obrigação de manter o conteúdo das comunicações armazenado em seu banco de dados. Segundo as empresas de tecnologia, com a ativação da criptografia ponta a ponta, o WhatsApp não possuiria a chave mestra para decifrar o conteúdo das mensagens dos usuários, daí a impossibilidade de entregar informações requeridas à Justiça pelas autoridades investigatórias.

A nova Lei de Combate ao Terrorismo trata das disposições investigatórias e processuais aplicáveis pelas autoridades competentes. Esta lei prevê outros mecanismos, além da quebra do sigilo da comunicação de dados, nas atividades de investigação policial e instrução no processo penal. Decorre disso a tentativa por parte dos governos em criar mecanismos denominados de Backdoor (porta dos fundos), no sentido de permitir a quebra da criptografia adotada nos aplicativos, para fins de segurança pública.

O governo brasileiro declarou a intenção de criar um projeto de lei neste sentido. Por isso há a necessidade de análise rigorosa da constitucionalidade de eventual projeto de lei, quando for encaminhado ao Congresso Nacional, sob a perspectiva do direito à privacidade, bem como da proporcionalidade da medida legislativa.

É saudável o debate sobre o tema, especialmente dos limites à criptografia nos serviços de comunicação de dados, nas hipótese de ilícitos penais. Ao que parece, a proibição da criptografia em lei é medida excessiva. Mas, ao menos, é razoável o debate pelo Estado, mercado e sociedade sobre os limites à criptografia e acesso aos conteúdos das comunicações de dados, em hipóteses precisas e detalhadas em lei. Este debate é fundamental sob a ótica da democracia, principalmente para fins de delimitação do direito à privacidade nas comunicações de dados pelas redes digitais, diante da segurança e interesse da Justiça.

Enfim, este tema sobre a regulação dos aplicativos de comunicações, bem como a imposição de eventuais limites, no interesse da Justiça, é de interesse da sociedade, do mercado e do estado. Daí a pertinência do debate no foro adequado que é o Congresso Nacional.

Ericson M. Scorsim, advogado e consultor em direito público, especializado em direito das comunicações. Doutor em Direito pela USP e autor do e-book “Direito das Comunicações”.
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