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editorial

As urnas não apagam crimes

Querer ver no resultado das eleições uma "resposta" do povo ao STF soa como mais um round no processo de desmoralização do Supremo que o PT vem promovendo

Apesar da condenação de alguns de seus principais líderes no julgamento do mensalão, o Partido dos Trabalhadores viu seu prestígio eleitoral subir: em 7 de outubro, foi o partido mais votado do país, com 17,26 milhões de votos (aumento de 4,3% em relação a 2008); conquistou 628 prefeituras (crescimento de 14%) e fez 5.067 vereadores (alta de 22%). No segundo turno, realizado no domingo passado, conquistou a prefeitura da maior cidade do país, São Paulo, com Fernando Haddad.

Os resultados levaram petistas a avaliar que o julgamento teria, no fim, beneficiado o partido – a população, por esse raciocínio, teria percebido a "injustiça" de que o PT foi vítima no Supremo Tribunal Federal e teria resolvido "consertar" a situação nas urnas. "A voz do povo suplantou quem vaticinava a destruição do Partido dos Trabalhadores", dizia uma resolução divulgada pela Executiva Nacional do partido logo após o primeiro turno. No mesmo dia em que o STF decretou a culpa de José Dirceu por corrupção ativa, ele dizia, a respeito da disputa paulistana, que "vencer as eleições é a melhor resposta aos nossos adversários", segundo relatos de petistas que participaram da reunião a portas fechadas da diretoria nacional do partido.

Tal avaliação representa uma mudança em relação ao que haviam dito o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, para quem o julgamento do mensalão prejudicava, sim, o partido; e o ex-presidente Lula, para quem a população não se importava com o Supremo, pois estava mais preocupada com novelas e com futebol. Se Lula ou Dirceu estiverem certos, isso apenas revela a existência, entre parcela significativa dos brasileiros, de um déficit cívico que pouco mais de duas décadas de democracia ainda não conseguiram resolver. Recentes campanhas contra a corrupção ressaltam que esse crime grave rouba recursos que seriam destinados ao bem-estar da população, e outras iniciativas buscam combater as "pequenas corrupções" do dia a dia, que acabam deixando muitas pessoas mais tolerantes com as grandes corrupções dos ambientes palacianos; o tom dessas campanhas é um indicador de que esse déficit pode realmente existir.

No entanto, nenhum desempenho eleitoral, por mais significativo que seja – e é preciso lembrar que o PT foi derrotado em capitais importantes, como Salvador, Fortaleza e Recife (onde Humberto Costa, escolhido a dedo por Lula, nem chegou ao segundo turno) –, anula o fato de que José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e João Paulo Cunha foram condenados pela mais alta instância do Judiciário brasileiro, poder que funciona em plena normalidade democrática. Eleições e julgamentos criminais não guardam relação entre si, e querer ver nas urnas uma "resposta" ao STF soa como mais um round no processo de desmoralização do Supremo que o PT vem promovendo desde que o julgamento do mensalão começou. Aliás, a intenção dos quatro petistas de se declararem "prisioneiros políticos" caso sejam mandados para a prisão também embute a mensagem de que o STF promoveu um julgamento de exceção, como se a democracia não estivesse plenamente vigente no país.

Na sessão que definiu a culpa de Dirceu, Genoino e Delúbio por formação de quadrilha, o decano do STF, ministro Celso de Mello, usou parte de seu voto justamente para desmentir a noção de que as urnas serviriam para salvar a reputação de criminosos: "Votações eleitorais (...) não se qualificam nem constituem causas de extinção da punibilidade, pois delinquentes, ainda que ungidos por eleição popular, não se subtraem ao alcance e ao império das leis da República." E ainda: "A conquista e a preservação temporária do poder, em qualquer formação social regida por padrões democráticos, embora constituam objetivos politicamente legítimos, não autorizam quem quer que seja, mesmo quem detenha a direção do Estado, ainda que invocando expressiva votação eleitoral em determinado momento histórico, independentemente de sua posição no espectro ideológico, a utilizar meios criminosos ou expedientes juridicamente marginais (...)". Cabe ao PT escolher se acolhe a mensagem ou se continua seus planos de prestigiar os mensaleiros condenados mantendo-os na legenda, ao arrepio do que prevê o próprio estatuto partidário.

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