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 | Christian Rizzi/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Christian Rizzi/Arquivo Gazeta do Povo

Na semana passada foi aprovado um projeto de lei que admite a ampla terceirização nas relações de trabalho, incluindo as atividades-fim. A aprovação do projeto lança dúvidas sobre o futuro das garantias trabalhistas para a maioria dos trabalhadores.

A verdade é que a terceirização é uma forma de reduzir direitos e garantias dos trabalhadores, e a terceirização das chamadas atividades-meio, que já era permitida por lei, teve como resultado a precarização de trabalhos já muito extenuantes e mal remunerados, como as atividades de limpeza e conservação. A nefasta lógica que admitia a terceirização das atividades-meio agora se estende para as atividades-fim e inaugura um cenário de completa desregulamentação das relações de trabalho.

Defensores da medida se apressam em dizer que os temores dos críticos não têm fundamento. O ex-ministro do Trabalho no governo Sarney e ex-ministro do Tribunal Superior do Trabalho Almir Pazzianotto é um dos mais notáveis defensores da ampla terceirização, assegurando que os trabalhadores não perderão os vínculos de emprego e as garantias da CLT. Em uma entrevista recente, Pazzianotto explicou que, mesmo com a terceirização, os trabalhadores continuarão a ter vínculo de emprego. Além disso, o ex-ministro denunciou o atraso da economia nacional, considerada pouco produtiva, e afirmou que a terceirização seria uma forma de modernizar a indústria brasileira, aproximando nosso país do primeiro mundo.

Como exemplo, Pazzianotto, o entrevistado, perguntou à jornalista que o entrevistava: “você conhece algum lugar no Brasil em que são fabricados carros de luxo, da marca Mercedes-Benz, por exemplo?” A entrevistadora, surpreendida com a pergunta, permaneceu em silêncio, assumindo que seria uma pergunta retórica do ex-ministro, que já adiantava a resposta negativa. E então o ex-ministro sentenciou: “No Brasil não existem fábricas de automóveis de luxo da Mercedes, já que essas fábricas estão na Alemanha, onde o trabalho é terceirizado”. É surpreendente que uma personalidade com o currículo de Pazzianotto fale algo tão absurdo. Carros de luxo da Mercedes são fabricados em diversos locais do mundo, inclusive África e Ásia, e isso não é indicativo de alto nível de desenvolvimento do país ou qualidade e garantias dos empregos. Além disso, afirmar que o alto nível de vida da Alemanha se deve ao fato de que a legislação de lá admite a terceirização é uma simplificação inacreditável.

A ampla terceirização pode levar os trabalhadores a se tornarem falsos “empresários”

Não se pode fazer o debate sobre a terceirização com fundamento em um capricho do tipo, “queremos ter fábricas de carros de luxo”. Até porque hoje,com a legislação vigente, temos pelo menos uma fábrica de carros da Mercedes-Benz, em São Paulo, e uma fábrica da BMW em Santa Catarina. É simplesmente falso afirmar que o Brasil não tem fábricas desse tipo.

Além disso, parte dos trabalhadores brasileiros hoje chega a admitir a terceirização como forma de enfrentar a crise, considerando que os direitos e garantias trabalhistas pareceriam um luxo em um contexto de tantas dificuldades, e não uma forma de alcançarmos os países mais ricos. A julgar pela análise tão rasa do ex-ministro, chegamos a duvidar de que o trabalho terceirizado na Alemanha seja mesmo uma realidade.

Embora Pazzianotto possa ter razão ao afirmar que trabalhadores terceirizados não necessariamente deixam de ter carteira assinada e, portanto, podem continuar tendo garantias como férias, 13.º e FGTS, a verdade é que a ampla terceirização pode levar os trabalhadores a se tornarem falsos “empresários”, em uma realidade absolutamente prejudicial aos seus direitos. Assim, cada trabalhador (ou um conjunto de trabalhadores) poderia, por exemplo, montar empresas individuais (ou coletivas) para prestar serviços terceirizados para as empresas. Os patrões contratam os trabalhadores por meio dessas empresas e ficam dispensadas de pagar os direitos trabalhistas, que seriam responsabilidade das terceirizadas. Como os trabalhadores seriam os próprios sócios das terceirizadas, poderiam facilmente “escolher” ou “preferir” ficar sem férias e sem garantias trabalhistas; afinal, de quem eles poderiam reclamar esse direito?

Alguns leitores vão dizer, com razão, que essa realidade já existe hoje, mas isso não quer dizer que seja bom. Na verdade, antes da nova lei da terceirização, os trabalhadores contratados por meio de falsas empresas terceirizadas poderiam reclamar seus direitos na Justiça do Trabalho e obter o justo reconhecimento do vínculo de emprego com a empresa contratante. Com a nova lei, isso pode acabar, e aí está o retrocesso. Essa é a grande motivação da nova lei.

Assim, a terceirização vai se tornar regra e haverá mais empresas individuais de trabalhadores criadas especificamente para prestar serviços para uma empresa como terceirizadas, uma clara afronta à legislação trabalhista. Como empresários autônomos, os trabalhadores facilmente abrirão mão de garantias legais, que podem ser vistas como custos.

E mesmo os trabalhadores que tenham carteira assinada com empresas terceirizadas poderão experimentar perdas em seus direitos trabalhistas; afinal, hoje as negociações salariais feitas pelos trabalhadores de uma empresa específica podem ter diversos fatores, como a lucratividade dessa empresa. É diferente negociar os salários com uma empresa que esteja tendo grande lucratividade do que com uma empresa que esteja com dificuldades financeiras. Para os terceirizados, esse tipo de negociação não fará sentido, pois os terceirizados não têm vínculo com a empresa principal, e sim com a terceirizada, o que deverá baixar a média salarial dos trabalhadores das mais diversas categorias, além de reduzir benefícios.

Todos esses fatores deverão influenciar negativamente as garantias trabalhistas. Por isso, muito embora a nova lei da terceirização não elimine diretamente a carteira de trabalho e seus direitos, o fato é que o cenário futuro é de completa desregulamentação e rebaixamento das condições de trabalho.

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