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| Foto: Nicholas Kamm/AFP

Uma das primeiras iniciativas de Donald Trump foi decretar a retirada dos Estados Unidos da Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), que prevê regras favoráveis para o comércio entre 12 países situados no Oceano Pacífico e que reuniriam 40% da economia mundial, entre eles o Japão, Austrália e Canadá.

A saída dos Estados Unidos significa, na prática, o fim do próprio tratado, já que o lado mais poderoso e interessante pulou fora do barco, e agora surgem dúvidas sobre o futuro da geopolítica do Pacífico. Afinal, o tratado também era uma forma de enfrentar o poder regional da China, que não fazia parte do TPP. Desfeito o bloco, a economia chinesa vê menos obstáculos para hegemonizar a economia regional. Com a atitude, Trump colabora com a China e enfraquece a iniciativa do Japão e outros aliados norte-americanos no Pacífico. Mas seria essa a intenção do novo presidente?

Ao mesmo tempo em que joga um balde de água fria no TPP, Trump faz bravatas contra a China, dizendo que disputará ilhas do Mar do Sul da China, atualmente controladas pelos chineses. Uma disputa dessa natureza poderia levar a um conflito armado, e Trump já anunciou que estaria preparando a Marinha para essa tarefa. Será?

Nada mais parecido com a atual comunicação e propaganda de Trump que a “pós-verdade” de McCarthy

Por via das dúvidas, a China já posicionou mísseis nucleares de longo alcance apontados para os Estados Unidos. A falta de sentido nos movimentos de Trump, ao favorecer a China em tratados comerciais e se colocar em posição de guerra contra o mesmo país, parece ser uma demonstração de desprezo por qualquer diplomacia – inclusive com aliados – e um apelo à noção de que, para ser forte, basta exibir força. E assim Trump vai, aos poucos, mostrando que nada do que está fazendo é novo, muito menos para os Estados Unidos. O cenário nos leva de volta à Guerra Fria, e Trump parece ser a reedição do senador Joseph McCarthy, a começar pela prática de torturar fatos e números até que digam aquilo que se quer que digam.

Nos anos 50, o senador McCarthy realizou uma série de investigações fraudulentas por meio das quais procurava provar que figuras públicas, artistas de Hollywood – como Charlie Chaplin – e agentes do governo seriam, na verdade, espiões comunistas. A publicidade que se dava às supostas investigações tornaram o assunto amplamente conhecido pela opinião pública, motivando grande preocupação na sociedade. Depois de algum tempo, as alegações absolutamente sem sentido que fundamentavam as acusações tornaram o senador motivo de piada.

Nada mais parecido que a atual comunicação e propaganda de Trump. McCarthy apenas disseminou a prática hoje conhecida como “pós-verdade”, usada para dizer respeito a conclusões baseadas mais em crenças pessoais que em fatos objetivos, às vezes até contrariando a verdade.

Otto Maria Carpeaux defendia a tese de que a caça às bruxas perpetrada pelo macartismo em busca de “comunistas” infiltrados nos Estados Unidos pouco tinha a ver com a possível ameaça soviética, e sim com a então recente revolução comunista na China. Para justificar sua tese, Carpeaux mostra que, além das investigações contra celebridades e agentes do governo, os processos tinham notável foco em alguns especialistas na política do Extremo Oriente e do Pacífico, inclusive pesquisadores e professores universitários. McCarthy procurava colaboradores do Partido Comunista Chinês. Segundo essa tese, o centro da geopolítica americana estaria no Pacífico, e apenas em segundo plano estariam a Europa e o Oriente Médio, que, na visão do macartismo, poderiam ser deixados para a influência soviética.

Ao estilo McCarthy, Trump é moderado com a Rússia, considera não intervir na sua influência sobre o Oriente Médio, mas eleva o tom contra a China, realçando seu interesse pelo Pacífico. Mas a visão tosca do presidente-empresário a respeito de acordos comerciais ameaça o projeto; afinal, surpreende que, com uma pretensão tão ambiciosa, Trump não tenha considerado importante preservar o TPP.

No fim dos anos 50, McCarthy, sem habilidade, em pouco tempo perdeu credibilidade e poder, tornando-se figura pejorativa na opinião pública. Trump parece perseguir a mesma trilha.

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