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A cena da expulsão dos vendilhões do templo narrada no evangelho de hoje, mostra a importância atribuída pelos quatro evangelistas. É o tempo da Páscoa e Jerusalém está superlotada de peregrinos, vindo de todas as partes do mundo para celebrar a festa, para oferecer sacrifícios e cumprir suas promessas. A cidade contava normalmente com 50.000 habitantes, mas, por ocasião da Páscoa atingia até 180.000. Muitos peregrinos vinham de longe; trabalharam e economizaram durante anos para conseguir, uma vez na vida, realizar a "viagem sagrada", com sua família. Durante os dias da festa, não medem os gastos: comem carne em abundância, bebem bons vinhos, compram presentes para levar para casa e especialmente freqüentam o templo para rezar, para pedir conselho aos sacerdotes e para oferecer um sacrifício ao Senhor.

Os comerciantes sabem muito bem que a Páscoa é uma ótima oportunidade para fazer bons negócios: em poucas semanas têm a oportunidade de ganhar mais do que o ano inteiro. Os preços são elevados, mas as lojas estão lotadas desde as primeiras horas da manhã até tarde da noite. Considerando-se tudo isso, não haveria muito a objetar algumas trapaças dos comerciantes, nós bem sabemos, podem até ser consideradas normais! Não falta alguém para provocar as moças ou que aproveita a confusão para "consolar" a mulher do vizinho. Há também algum peregrino que exagera na bebida, mas em tempo de festa tem-se a tendência de tolerar tais fraquezas.

Os acontecimentos mais graves se verificam no templo. Três semanas antes da Páscoa a praça na frente do mesmo é transformada num mercado. Há as bancas dos que trocam as moedas dos peregrinos pelas usadas no lugar sagrado e retém para si uma boa porcentagem pelo serviço prestado; há os vendedores de cordeiros; há os que negociam bois e outros animais; há os curtidores que, em conluio com os sacerdotes, aguardam que lhes sejam entregues as peles dos animais. Todo este comércio é controlado por uma família muito poderosa de Jerusalém: a dos sumos sacerdotes Anás e Caifás. Qualquer pessoa religiosa e honesta ter-se-ia sentida profundamente indignada diante desse espetáculo deprimente: a casa de oração foi transformada num covil de mercadores. A passagem do evangelho de hoje começa apresentando-nos Jesus que chega ao templo justamente por ocasião da festa.

Não pronuncia uma só palavra, faz um chicote com as cordas nas quais estão amarrados os animais e furiosamente começam a expulsar todos e jogar pelos ares as mesas, as cadeiras, o dinheiro, as gaiolas das pombas, os bois e as ovelhas. A reação de Jesus é surpreendente: ninguém poderia imaginar que Ele pudesse chegar a gesto tão violento. Tínhamos a convicção que Ele se mantivesse sempre calmo, manso, sorridente, tranqüilo, mas nessa ocasião Ele mostra um aspecto muito diferente. Qual é o sentido desse procedimento tão pouco habitual por parte de Jesus? A explicação nos é dada por duas frases que Jesus pronuncia para comentar o que está fazendo: "tirai daqui tudo isso e não façais da casa de meu Pai uma casa de negociantes". Purificando o templo de mercadores, Jesus declara que chegou o reino do Messias e condena de maneira enérgica qualquer mescla qualquer confusão entre religião e interesses econômicos. Esse ensinamento será sempre atual também para nossa religião cristã. A história da Igreja está permeada de pecados dessa espécie.

A religião é usada muitas vezes para esconder e justificar interesses, vantagens, benefícios que nada tenham a ver com o evangelho. É importante e urgente que as Igrejas cristãs sejam irrepreensíveis nesse ponto. nada de truques, nada de jogadas fraudulentas, nada de favoritismos no uso dos bens do povo, pois, não sendo assim, a mensagem que anunciamos, perde imediatamente sua credibilidade.

Dom Moacyr José Vitti CSS é arcebispo metropolitano.

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