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No ano de 2010, o humorista, palhaço, cantor e compositor Francisco Everardo Oliveira Silva, mais conhecido como Tiririca, foi eleito deputado federal pelo estado de São Paulo. Não foram poucos os que classificaram sua eleição como uma das maiores vergonhas da política brasileira ou como a bizarra evidência de que o eleitor realmente não sabe votar. Tiririca teve a maior votação para o cargo de deputado federal do país naquela eleição, e a segunda maior da história das eleições brasileiras – seus 1.353.820 votos o colocaram atrás apenas de Enéas, que em 2002 conseguiu a marca recorde de 1.573.112 votos.

Naquele mesmo ano, concorreu também um outro novato da política, um indivíduo cujo feito mais notável tinha sido a vitória na quinta edição do programa Big Brother Brasil, e que teve exatamente 13.018 votos. Graças à legislação eleitoral brasileira, e sua regra de proporcionalidade (esta, sim, uma bizarrice das grandes), Jean Wyllys de Matos Santos foi eleito deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro com a menor votação entre todos os eleitos de seu estado, e com a menor votação proporcional do país.

Tremenda injustiça é apontar Tiririca como o grande absurdo das eleições de 2010. Está claro que é Jean Wyllys. Ele teve apenas 0,96% dos votos de Tiririca, ou seja, daria para eleger mais de 100 Jeans com a votação de um Tiririca. O total de votos para deputado estadual no Rio de Janeiro foi de 7.454.543; ou seja, Jean teve 0,17% do total de votos de seu estado (isso significa 17 indivíduos em cada 10 mil pessoas). A título de comparação, a média de votos para alguém se eleger vereador na cidade de São Paulo é de 44.065; dos 56 vereadores eleitos em 2012, 55 tiveram mais votos que os 13.018 de Jean. A quinta edição do programa Big Brother Brasil, da qual Jean foi vencedor, registrou audiência média de 47 pontos. Um ponto de audiência, de acordo com o Ibope, corresponde a 38.621 domicílios na região metropolitana do Rio de Janeiro. Considerando que em cada domicílio duas ou três pessoas estejam na idade de votar, e extrapolando os dados para o restante do estado, chegamos a uma estimativa de 150 mil pessoas assistindo ao programa e acompanhando as estripulias do então aspirante a político. Nem 10% delas quiseram votar no sujeito.

Jean Wyllys é um conhecido admirador de Che Guevara, mesmo sabendo que Che odiava homossexuais

A votação de Jean foi tão baixa, mas tão baixa, que todos os seus eleitores caberiam no Templo da Glória do Novo Israel, da Igreja Universal do Reino de Deus, na cidade do Rio de Janeiro; é mais fácil encontrar uma pessoa com um olho de cada cor que um eleitor de Jean; o número de votos de Jean Wyllys está para o total de votos de seu estado assim como uma bola de gude está para uma bola de basquete; se você deitar os eleitores do Tiririca numa linha reta, pés de um na cabeça do outro, dá para ligar o Rio de Janeiro a Manaus; se fizer o mesmo com os eleitores de Jean, não dá para chegar nem a São João do Meriti.

Mas, infelizmente, a eleição desse deputado foi apenas o primeiro de uma série de episódios lamentáveis envolvendo sua pessoa. Uma vez diplomado, Jean trabalhou incessantemente para estabelecer uma agenda de ódio, seguindo à risca o modo de operação de seu partido, o PSol. Contradição ambulante que é, Jean apresentou projetos de lei absurdos como o 1.780/2011, em que propõe a obrigatoriedade do ensino da tradição islâmica nas escolas brasileiras. Como levar a sério uma pessoa que tacha qualquer opinião contra a homossexualidade como homofobia e, ao mesmo tempo, propõe a obrigatoriedade do ensino de uma cultura que assassina homossexuais pelo simples fato de o serem? Jean consegue ver a intolerância estampada em um pastor que diga que uma relação homossexual é pecaminosa, mas aplaude uma cultura que não só afirma isso, mas pune o “pecador” com a morte.

Parece que Jean não tem realmente a capacidade cognitiva para entender o mundo e a história. Ele é um conhecido admirador de Che Guevara, o messias da esquerda latino-americana, mesmo sabendo que Che odiava homossexuais. Em seu livro O Socialismo e o Homem de Cuba, Che propôs um modelo de perfeição viril que condenava por completo a homossexualidade, a bissexualidade e a transexualidade. Além disso, há diversos relatos de execuções de homossexuais sob seu comando, e diversos episódios descritos no livro Mea Culpa, de Guillermo Cabrera Infante. Um deles foi a visita de Che à embaixada cubana na Argélia: ao ver que o embaixador tinha uma obra do poeta Virgilio Piñera em sua estante, ele atira o livro na parede e diz “Como é que você pode ter o livro dessa bicha na embaixada?”. Uma outra parte do livro dá uma ideia precisa do que era ser gay na Cuba revolucionária: “Um departamento especial da polícia, chamado de Esquadrão da Escória, se dedicara a deter, à vista de todos, na área velha da cidade, todo transeunte que tivesse um aspecto de prostituta, proxeneta ou pederasta”.

Em seu trajeto de contradições e incitações ao ódio, Jean encontrou no deputado Jair Bolsonaro seu nêmesis. A estratégia de concentrar suas ações sobre alguém com muito mais notoriedade e muito mais votos deu resultado: Jean conseguiu multiplicar sua primeira votação pífia por um fator de dez quando se reelegeu em 2014. A cusparada em direção a Bolsonaro durante a votação do impeachment, no último domingo, corrobora esta tese. Fosse um ato de impulso, já seria condenável e absurdo. Premeditadamente, como mostra um vídeo disponível nas redes sociais, é certamente caso para o Conselho de Ética da Câmara.

Em tempo, o deputado Tiririca deu um dos 367 votos favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff e participou de 100% das sessões parlamentares. Mais importante: ele nunca exaltou ditadores assassinos e não precisou dos votos de outro candidato para se eleger. Por tudo isso, sou obrigado a dizer: mais Tiririca, menos Jean.

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