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Não sei quantas pessoas morreram em acidentes com ônibus ou aviões no último ano. Mas com certeza você se lembrará de alguns casos.

Jovens em férias, um grupo de romeiros, famílias destruídas, pequenas cidades enlutadas... No céu, na terra ou no mar, os acidentes e as mortes coletivas nos enchem de uma estranha sensação, como se realidade e ilusão se embaralhassem. Reconhecemos que a realidade é esta: todos vamos morrer um dia. Mas uma negação grita em nós: isto é uma ilusão, algo deixou de ser visto, algo além do que compreendemos tem de ter acontecido.

Acidentes aéreos exercem sobre nós um impacto ainda mais particular. Um pouco porque as grandes aeronaves redundam em acidentes com muitas mortes, ainda que paradoxalmente, em função das regras de segurança, voos sejam as viagens mais seguras que podemos fazer. Um pouco porque os aviões compartilham com os computadores o status das mais estupendas máquinas já feitas pelo homem. E ainda porque voar a milhares de metros do solo, dentro de um claustrofóbico cilindro de aço, é um enorme desafio a nosso instinto de sobrevivência.

A sociedade criou defesas seguras contra o absurdo. No telejornal, após o drama aéreo virá o escândalo de corrupção ou notícias sobre o dólar. Mais um pouco, o sitcom e a telenovela

Especulações sobre as causas dos acidentes só pioram as coisas. Uma falha mecânica nos enche de raiva contra as empresas que visam os lucros e não cuidam adequadamente da segurança. O ato de terrorismo orienta nossa raiva contra os terroristas. A falha humana, quando não se baseia numa irresponsabilidade evidente, nos tira o chão. Sabemos que se pode reduzir muito a frequência de erros humanos, mas “errar é humano” e não se pode eliminá-los totalmente. Além disso, estes erros nos gritam “eu poderia ter sido cometido por você”, pois todos somos humanos e falíveis.

Um piloto depressivo, num ato suicida, como parece ser o caso do voo da Germanwings que caiu nos Alpes, mostra com mais eloquência ainda a força do absurdo.

A sociedade criou defesas seguras contra o absurdo. No telejornal, após o drama aéreo virá o escândalo de corrupção ou notícias sobre o dólar. Mais um pouco, o sitcom e a telenovela.

Se as notícias estiverem no jornal da manhã, lido entre goles de café e pedaços de pão, depois virá a dura rotina do trabalho, pois temos de ganhar nosso sustento e não há tempo para filosofar romanticamente sobre a finitude humana.

Mas tanto o religioso devoto quanto o filósofo do absurdo reconhecerão que, se não nos deixarmos comover e mudar pelo contato fugaz com esta fragilidade e provisoriedade, perderemos nossa própria humanidade. O desafio não é ser imune a essa comoção, mas ser capaz de agir de modo mais humano a partir dela.

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