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Quando se misturava rum, limão e coca-cola para beber moderadamente porque a mama cheirava o hálito de cada um que entrava em casa, Fidel tinha barba negra e Raul era desconhecido. Cuba embriagava os sentidos como se fora o paraíso latino em construção; magnetizava pela altivez de Davi diante do Golias imperialista e também pela sensação de que os cucarachos ti­­nham capacidade de empreender a marcha superior da civilização rumo ao comunismo. Mesmo nos anticomunistas dava pontinha de orgulho a petulância irônica diante dos Estados Unidos. Contudo, a crise dos mísseis em 62 começou a mostrar que o rum era pirata: de plataforma de veraneio e turismo sexual de americanos, Cuba estava se transformando em aríete soviético. Câmbio de pa­­trão, não de status. Alguns perceberam a má qualidade e abandonaram a be­­bida; outros, mitoadictos, se enebriaram nas promessas a perder o senso e deixaram de ouvir estalos nos porões de tortura.

Fidel apostou na monocultura da cana, traçando metas de produção de açúcar sem levar em conta eventuais excessos de oferta e a economia foi se estiolando. A igualdade miserável se instalou. Investimento em ciência e tec­­nologia, para escapar das agruras da dependência de um único item para comerciar, não foi sequer cogitado porque as facilidades de comunicação ad­­vindas de rádios, televisores, com­­putadores, propiciariam a difusão da "con­­trarrevolução". Na ver­­dade, Fidel pensou pe­­queno e a supressão manu militari da diversidade de ideias fez da sua pequenez o pensamento único. O país, transformado numa ha­­cienda do Comandante em Chefe, se tornou cada dia menor. A onisciência presunçosa de quem suprimiu a diversidade de pensamento foi acentuando a mediocridade usual da classe política. O século 20 foi passando e o castrismo, ficando. Sociedades plurais, abertas, produzem a modernidade e se modernizam. Sociedades monodóxicas, monárquicas, estagnam, estacionam no acostamento da história e se tornam museus. Cuba seria apenas nota de rodapé, peculiaridade curiosa, não fosse a violência real, pesada, sufocante, que rompe os limites do privado, oprimindo o espaço e o tempo dos indivíduos que são compelidos a se entregar a manifestações de apoio aos donos do Estado.

Orlando Zapata Tamayo, ho­­mem comum em qualquer so­­ciedade democrática, ameaçava a gerontocracia cubana porque pensava por conta própria e ou­­sou dizer não à polícia do pensamento. Mártir, como o foram Herzog e Manuel Fiel Filho, não recebeu da intelligentsia brasileira o mesmo apreço. Dignificá-lo é quase impossível para quem sucumbiu à atração mórbida do marxismo-leninismo e permanece acreditando que filosofa no nível de Marx. Reco­­nhe­­cer que Zapata foi vítima de persecução do Estado porque pen­­sava de modo di­­ferente do governo dos Castro significa dizer que Cuba é ditadura. Essa do­­se de realidade arrancaria os viciados em mitos do seu torpor e os obrigaria a enfrentar a dura realidade. Ah... deixa para lá, afinal, todo mundo tem problemas com direitos humanos! Za­­pata morreu em greve de fome! Culpa de quem? Claro, dos americanos. O governo revolucionário, amante do po­­vo, é perseguido pela águia imperialista. Za­­pata, um pedreiro pobre, pouco escolarizado, não foi vítima da intolerância da família real de Cuba; ele morreu por culpa do embargo à Ilha.

Raul, Fidel, podem falar tonterías à vontade; isso faz parte da autodeterminação dos cubanos. Gravíssimo é o silêncio das forças políticas brasileiras que creem, como fiéis religiosos, nas desculpas esfarrapadas. Qual será a conduta desses partidos se chegarem ao governo do Brasil? Oxa­­lá, as instituições e os eleitores nos livrem de algo parecido com Cuba; o Atlântico é muito largo para atravessar de balsa feita de pneus velhos.

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