• Carregando...

Rolando pela procrastinação internetizada, nesses momentos em que a gente sabe que tem o dever de realizar alguma atividade, mas fica morcegando esperando que o mundo acabe e nos livre da tarefa, saltei de um enlace a outro até chegar a listas de dias dedicados a isso e aquilo. Pôxa, pensei, há tantos temas gravíssimos sobre os quais me informar e conjecturar e vou consumir tempo vendo que o dia 1.º de outubro é do vendedor, do vereador e 13 de novembro, o dia internacional da gentileza. Gente, 31 de janeiro é o dia mundial do mágico! Como vivi tanto tempo sem saber disso?

Há dia para tudo e todos. Santos, todos os dias. Alguns cujo nome nunca se ouve, exceto para colmatar vácuos de horário das rádios religiosas. Dias para eventos políticos, ambientais, comerciais, internacionais; para irrelevâncias celebradas por não sei quem. Pois bem, no meio disso vi que o dia de hoje, 24 de novembro, é dedicado ao vovô. Subitamente paralisado, parei de datilografar ordens ao computador para continuar o périplo tonto por páginas inúteis, repletas de ruídos e carentes de informação, e comecei a me lembrar da quantidade de velhos que vi, ao longo da semana tépida, nas academias ao ar livre, nos parques, na Rua das Flores.

Velhos parrudos, trôpegos, magricelos, obesos. Multidão grisalha. O ímpeto de gastar tempo à toa na cibernavegação some, dando lugar ao frenesi de imagens, sons, cheiros arquivados na memória profunda. Aquele senhor apolíneo apagado pelo Alzheimer parece caminhar sem rumo na minha frente outra vez. A cabeleira cinza da senhora atropelada sobre a faixa de pedestre. A torrente neuronal sobre a velhice é tão abundante que me indago se a quantidade de informação decorre da minha imediação com a senectude ou se, efetivamente, há poucas crianças.

Sem resposta conclusiva, sigo portando a dúvida, com a sensação de que a faixa etária é fator agregacional. Assim, velhos veem velhos. Jovens têm a impressão de estar rodeados de jovens, sem perceber o mundo ancião ansiando para ser percebido antes da poeira das horas.

O engarrafamento na Presidente Carlos Cavalcanti propicia tempo para ver as rodinhas de dominó no Passeio Público. O dia abobadado, livre do manto de nuvens que faz o céu ficar plano, foi convite para os velhos da redondeza se encontrarem e limparem o mofo dos dias reclusos. Esses não estão fazendo ginástica, mas também se divertem.

A manada de automóveis começa a se movimentar lentamente e vou ruminando a vida marvada. Outra praça, aparelhos de ginástica e porção de grisalhos se esticando, encolhendo, exercitando músculos que insistem em desmilinguir; tríceps drapejando durante os movimentos. Toda higidez será derrubada!

Para fugir do lúgubre das ideias, ligo o rádio. O locutor, a propósito da celebração do dia do vovô, traz dados atuariais que desenham cenário de desamparo dos inativos em razão da diminuição da quantidade de jovens gerando riqueza. Quando o futuro era curto, não se pensava nele. Agora o amanhã é depois de amanhã. De certa forma, no longo prazo estaremos todos vivos.

Quiçá em breve se passe a comemorar o dia do tataravô.

Dê sua opinião

O que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]