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Você foi, a chuva veio. Não precisei chorar; o céu o fez por mim. As vidraças distorcidas pela água escorrida; tambores de Zeus ribombam após as chicotadas dos relâmpagos lanharem o dorso da noite. Vontade de ir à rua, pisar nas poças, me molhar na chuva rala que agora cai devagar. Olho a grama, as árvores e recuo. O calor emocional que sinto amaina com a brisa fresca, mas a água no chão me faz parar. Estático, protegido pelo beiral, sem saber se intensifico a solidão na noite chuvosa ou se volto e deparo com as tuas coisas, teu cheiro, divago. Calhas pingando o fim da tempestade; gota a gota ressoando no metal que amplifica cada batida, suspendendo a respiração à espera do próximo impacto. O mundo se move devagar como se estivesse parando.

O céu se acalma, silencia, sinaliza estio; me lanço sob gotas finas, frígidas. Quaresmeiras balouçam e molham meus ombros. A enxurrada é devorada pela grade do bueiro. Impossível descrever o ruído dos pneus na água do asfalto; nem de modo onomatopaico. Grunhido, silvo, chiado, nada do que emito se parece com isso. Todos os sons são hídricos. Água em tudo que ouço e vejo. Por minutos, esqueci a solidão. A brevidade da ausência; a eternidade da sensação.

O tempo está em mim, não no relógio. A solidão é amiga das horas, prima-irmã do tempo, diz Alceu Valença. Cantarolo fragmentos ininteligíveis dos versos em desafinação que me faz desistir da música. Melhor apenas pensar. Os pensamentos não têm sons e, portanto, não desafinam. A lembrança de espetáculo do ídolo pernambucano desafinando horrorosamente me consola e invento a desculpa de que ao vivo, sem ajuda dos computadores, quase todos soam mal. Bobagem invejosa, mas que tira do foco o sentimento de vazio, de bílis que amarga a boca, tal a somatização da saudade.

Grimpas espalhadas dão a imagem da minha alma: dispersa em fractais caóticos e dolorida ao toque descuidado. Para exercitar a natureza de bicho do Paraná começo a catar grimpas, como se fosse experiente roceiro ao limpar o pasto. Desisto no segundo furo no dedo. Dor ardida, persistente, que associo à da ausência que me angustia e de novo desabo no abismo do tempo que falta para a tua chegada.

Ruas vazias, cidade fantasma. O coração pulsa acelerado na iminência do encontro que vai demorar. Pensar na Ucrânia, Venezuela, inflação, eleição e não só em ti e em mim. A greve dos ônibus, os boletos que vencem amanhã, a Copa do Mundo. Forço os arquivos a mostrarem todas as informações da semana à semelhança de noticiários que compactam os principais acontecimentos; as imagens e sons se aceleram e... somem. Súbito, só um tema: a tua partida e a espera pela chegada.

As nuvens abrem espaço no céu pintado de estrelas que, longe das mãos, estão ao alcance da imaginação. A poética kolodyana me faz contemplar o infinito pelos vãos estreitos dos cumulus que pesam na abóbada da cidade. Será que a introspectividade curitibana está relacionada às nuvens baixas? Olhar para dentro de si porque não há a mirada estrelada?

Volto sobre meus passos. Fecho o portão. Espero por ti.

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