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Os dicionários de tupi-guarani indicam que a palavra paraná é resultante de uma composição de pará (caudal, caudaloso) com anã (semelhante, parecido), significando que o rio, de tão grande, assemelha-se ao mar. Hoje é possível perceber que a comparação é figurativa, tendo sentido apenas para quem olha da praia ou da beira do rio. Mas ainda que haja noção do tamanho real do mar e do rio, no momento em que se está às margens da imensidão de água doce o coração palpita acelerado e a emoção fica registrada na memória.

Em Guaíra, ao fitar o poente sobre a placitude das águas onde antes havia uma fratura no rio, a mente vaga até o Planalto Central, divisor cuja face sul dá origem ao encontro das águas que formam o Paraná. A outra borda dessa calha, indo um pouco mais longe, está nas montanhas andinas. Todas as águas da parte austral do continente se somam formando um rio prateado que invade o mar. Esse rio, que por natureza não é mar, por arte humana, mar se tornou.

Quando a água desabava nas sete cachoeiras, o barulho era audível ao longe. O som variava conforme a vazão do rio. Nas cheias, as quedas produziam um estrondo; na estiagem, sonoridade mais leve, canto, uma música contínua no ar. Hoje as quedas estão sufocadas dentro daquele mar, como dito na onomatopaica "Sete Quedas", vencedora do Festival Paranaense de MPB. Onde as pedras cantavam, acabou-se a música do rio que parece mar. Contudo, a melodia das águas ainda vem do Iguaçu, bem perto do Paraná.

As águas propiciaram o caminho para o ingresso da cultura hispânica rio acima. Os portugueses, rio abaixo, tomaram e destruíram as vilas guarani-castelhanas. Depois, dois séculos de silêncio na floresta até que o interesse dos argentinos na erva-mate e no pinho disparou, no final do século XIX, uma nova corrida a montante. Argentinos, ingleses travestidos de argentinos, paraguaios e brasileiros, movimentavam-se pelo Rio Paraná e ao longo das trilhas extrativistas, instalaram portos, pousos e sedes. Esses caminhos foram aproveitados para a última e definitiva ocupação do território paranaense, desaparecendo a Fazenda Britânia, surgindo Toledo, Marechal Cândido Rondon, Novo Sarandi.

A ocupação portuguesa, movida pela gana do ouro, deu origem a Paranaguá. Num extremo e noutro, temos a marca da grandeza da água. Essas águas deram o nome ao lugar, mas ainda não há uma identidade que leve as pessoas a se verem como tributárias da poesia de portar o nome do rio que é o encontro dos povos do sul da América. Os sons dos paranaenses se comunicando revelam quatro paranás; um paulista, dois gaúchos e um que se divide entre o Coritiba e o Atlético.

A diversidade é riqueza se não for óbice ao encontro, ao partilhamento da condição comum. Conhecer e salientar os bens naturais que destacam o nosso espaço de vivência em relação ao mundo é uma maneira de afirmar a identidade na diversidade, de dizer que há marcadores na terra e na história para definir a sensação de pertença a uma coletividade. Somos do Paraná.

Friedmann Wenpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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