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Acontecida a eleição, abrir-se-ão novos campos de competição entre eleitos, não-eleitos, Ministério Público, cidadãos: processos judiciais com matéria eleitoral. Tapetão, como se diz na linguagem do futebol. Ficha limpa, suja, crimes eleitorais, improbidade administrativa, acusações de fraude de toda espécie. O Judiciário será chamado a decidir, com rapidez, situações de relevância política. Cenas de sessões judiciais circunspectas serão exibidas nos jornais da televisão. A rigor, nenhuma novidade, porque nos últimos tempos a presença de decisões judiciais nas eleições e noutros temas de expressão nacional tem sido constante. As formalidades, os trajes, a linguagem, asseguram que os veredictos sejam melhores que as decisões do Poder Legislativo e do Executivo?A Constituição vigente, promulgada faz 22 anos, padece de moléstia congênita, que Roberto DaMatta chama de "dilema brasileiro", caracterizado pela indecisão estrutural constitutiva; em outras palavras, o texto constitucional é o placar de 1 x 1 entre diferentes visões de mundo. Não só isso, pois também contempla miudezas que ganharam status constitucional para aumentar o poder de barganha de quem tem interesse nelas. O empate político na Assembleia Constituinte adiou as decisões difíceis e, em alguns temas, produziu monstrengos híbridos como o modelo sindical de unicidade territorial e pluralidade categorial. As decisões difíceis exigem solução em algum momento e os titulares do Executivo e do Legislativo via de regra evitam essa responsabilidade pelo custo eleitoral muito elevado; quem se mobilizar para aumentar a idade mínima para aposentadoria e redução dos valores, não se reelege, ainda que impeça a falência da Previdência. O Judiciário é chamado à ribalta para cortar esses nós górdios.

Decidir sobre a vida dos outros, especialmente quando os efeitos alcançam sociedades inteiras, é exercer poder. As indefinições da Constituição de 88 têm como efeito o aumento da importância do Poder Judiciário que passou de solucionador de lides individuais para centro de decisões de relevância geral e, mais que isso, decidindo sobre fatos que ainda estão acontecendo. É da percepção comum que a investidura de poder enseja abuso. Os membros do Executivo e do Legislativo são submetidos a controle eleitoral, mas o membros do Judiciário são vitalícios. É verdade que as decisões de magistrados da primeira instância podem ser submetidas, por meio de recurso, a juízes de instâncias superiores, havendo com isso, mecanismo do controle destinado a evitar excessos. Porém, o aumento da relevância das decisões judiciais, cada vez de conteúdo mais densamente político conjuntural, foi acompanhado de subtração de poder dos juízes de primeiro grau, aprovados em concurso público sem compromissos com essa ou aquela linha política, e acentuação da competência dos tribunais cujos membros têm nomeação política. Quanto mais política a investidura, mais competência se atribui ao colegiado de magistrados em detrimento dos que têm investidura técnica. Não se opera essa redução da democracia na estrutura judicial de modo direto; se faz isso a pretexto de celeridade e os efeitos da institucionalização da autocracia judicial não demoram a aparecer como se viu em situações recentes, a exemplo da discussão sobre a lei da ficha limpa.

O surgimento do controle externo da magistratura, na forma do Conselho Nacional de Justiça, foi resposta à intensificação do poder político atribuído ao Judiciário. É sempre bom lembrar, o Judiciário não é apenas poder, é serviço público. Assim, as duas linhas de controle: a eficácia na prestação do serviço e a probidade no exercício do poder. Certamente, a importância do CNJ será acentuada à medida que o serviço jurisdicional for ainda mais demandado para resolver, exercendo largas doses de poder, as questões sensíveis que permanecem em aberto.

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