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As ideias, não os homens, brigam. Essa máxima propicia a manutenção de amizades em situação de divergência política e pode ser estendida a todos os aspectos da vida no sentido de que ideias e pessoas são distinguíveis. Tiranias matam gente imaginando exterminar ideias. Pessoas morrem; ideias ressuscitam em outras mentes que não tiveram contato com as extintas.

Da pessoa interessa o caráter, honestidade, firmeza de compromissos, suavidade. Alguém que preencha positivamente todos os requisitos para ser gente boa pode portar ideias divergentes das nossas acerca de religião, geração e distribuição de poder na sociedade, modo de tratar a criminalidade, aborto, uso de drogas alteradoras da consciência. É possível imaginar o caminho oposto: agressivo, traiçoeiro, desonesto, mas com pensamentos semelhantes aos nossos em muitos temas. No cotidiano a pessoa e a ideia são tomados um pelo outro e boas ideias não medram contaminadas pelas máculas dos seus portadores ou, ao contrário, boas pessoas sofrem julgamento negativo porque apresentam ideias ruins.

É fácil atacar a pessoa, adjetivando-a de fascista, comunista, fundamentalista, ateia, racista, suprimindo a dialética. Para debater ideias é preciso pensar, em esforço para superar a malemolência dos adjetivos, indo ao campo dos substantivos. Pensar cansa. A rotina é preguiçosa. Para não se cansar pensando e não se indispor com pessoas de quem se diverge, cai-se em marasmo, em pensamento único. Essa é a vida comum, na qual se produz conhecimento empírico, insuficiente à geração de bens e serviços.

As universidades são locus de aprendizado superior. Por definição, devem ser diferentes do conhecimento comum. Para produzir conhecimento científico a livre criação, circulação, colisão, recomposição de ideias é condição imperativa. Discordar sem medo de magoar e aceitar o dissenso sem se sentir pessoalmente atacado, vendo na discordância a oportunidade para o refinamento da tese, é postura de cientista. A prima donna, irritada com o neófito que demonstra a fragilidade das teses catedráticas age de modo vulgar, obstrui o progresso científico. Para fazer ciência é imprescindível discernir caráter e ideário, de modo a avaliar ideias alheias e aceitar avaliações sobre as próprias teses sem melindres emocionais.

Uniformidade de pensamento é adequada a igrejas, partidos, empresas, grêmios. Essas agregações não se destinam a produzir conhecimento e atingem melhor as suas finalidades se houver alinhamento à causa de sua existência. Num partido liberal, não há azo para ideia estatizante; na causa do Atlético, não há debates sobre as conquistas do Coritiba; na empresa que exige cumprimento de horário, não há condições para debate sobre o tempo de labor.

A ciência viceja na destruição criativa. Se autoridade e tradicionalidade fossem senhoras da verdade, a Terra ainda seria o centro do universo de Ptolomeu. Os enunciados científicos nunca são definitivamente verazes; são o mais próximo da verdade que se conseguiu chegar àquele momento histórico.

Para fazer ciência é preciso coragem para expor ideias e reverência para as pessoas que dissentem.

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