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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

A dancinha debochada do líder do grupo Boko Haram, ao anunciar que venderia as mais de duzentas adolescentes que sequestrou em escolas do nordeste da Nigéria, dá a impressão de que se trata de psicopata. Doido ou são, manda num exército de 5 mil homens bem armados e sem limites para a violência porque se veem como anjos em guerra santa e as pessoas que se opõem, como infiéis a serem eliminados.

Talvez os leitores estejam com a impressão de que o acontecimento está muito distante, noutro planeta. Sinto dizer, é logo ali, do outro lado do Atlântico, em distância semelhante à de uma viagem a Manaus. Física, emocional e politicamente próximo. Outra objeção a conhecer o tema pode ser a asserção de que temos problemas demais para nos ocupar e que o sequestro das meninas é questão dos nigerianos. Discordo. Algumas agressões lanham tão intensamente a dignidade humana que se tornam assunto de interesse geral.

A escravidão é um desses fatos que exige manifestação de indignação sem que os costumes, cultura, dogmas religiosos sejam aceitos como álibi do escravagista. A escravidão reduz o humano à condição de coisa, objeto, animal de carga. A derrota na guerra, a raça, a religião, a casta foram usadas como argumento para justificar a submissão ao senhor. A condição feminina talvez seja um dos últimos argumentos para tentar dar ares de justiça à supressão da pessoa. A escravidão é injusta. Inexiste retórica que a faça direita.

A repulsa à conduta do grupo Boko Haram não é "frescura politicamente correta de mauricinhos e patricinhas da decadente civilização ocidental". Antes que alguém se atrapalhe, melhor dizer logo que não existe culpa do capitalismo e não há explicação marxista para essa barbárie. Plus valia, conflito de classes, alienação, acumulação de capital, consumismo. Nenhum desses conceitos auspicia análise. A questão é simples: as meninas são gente como nós e os sequestradores são bárbaros. O sequestro, afastando-as das famílias, a imposição de casamentos forçados, a venda como escravas para fins sexuais ou não, geram sofrimento a elas e aos parentes que não pode ser admitido em nenhuma hipótese.

China, Estados Unidos, França, colocaram aparatos de espionagem física e eletrônica em ação para auxiliar o governo nigeriano a encontrar o cativeiro das meninas e a resgatar as que já foram vendidas. O Brasil tartarugueia, perde o tempo do diapasão político para oferecer auxílio.

Ao objetar condutas desse tipo, se estabelece padrão de certo e errado que serve para orientar as decisões em questões internas. Preocupar-se com as meninas na Nigéria reforça a repulsa à prostituição infantil que ocorre às margens das nossas rodovias, à violência doméstica que vitima mulheres em casa ricas e pobres no Paraná. Com Vinicius, pensar nas meninas mudas telepáticas, rotas alteradas, energiza e legitima a luta pela dignidade da mulher.

A lonjura ou proximidade não altera a relevância moral. É verdade, há imoralidade em profusão e a indignação sem freios enlouquece. Por isso, imperioso ter escala de relevância para mensurar os enfrentamentos e dosar as reações. Vida e liberdade são bens fundamentais a proteger em qualquer lugar.

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