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Roma falou, causa finda. O Supremo falou, a discussão jurídica acabou. O affair Cesare Battisti agora será objeto das escolas de Direito e de caudalosos rios de tinta dos hermeneutas que se esforçarão para encontrar significados nas vírgulas e hífens. O futuro dirá se a decisão suprema foi marco do que se deve fazer ou, ao contrário, do que não deve ser feito na seara judicial. A latere dos aspectos forenses, há efeitos políticos que merecem atenção para que os projetos de atuação do Brasil no cenário internacional não fiquem à mercê do improviso e da atuação casuísta.

Desde 1920, ainda na antiga Liga das Nações, o Brasil pugnava para obter assento entre os membros permanentes do Conselho de Segurança. Em 1926 a Alemanha e a Itália foram admitidas nessa condição distintiva, e o Brasil ficou de fora. O presidente Artur Bernardes, em gesto passional, retirou o Brasil da Liga. A fragilidade intrínseca da Liga – qual seja, decisões tomadas por unanimidade – provocou paralisia decisória, e a turbulência política e econômica dos 20 anos que mediaram as duas grandes guerras fizeram da iniciativa de Woodrow Wilson pouco mais do que um clube de chá. Com isso, a nossa presença ou ausência nem eram notadas.

Em 1945, na fundação da Organização das Nações Unidas – cujo processo decisório por maioria a tornou operacional – começou a mesma ladainha: o Brasil quer ser membro permanente do Conselho de Segurança. A pretensão brasileira, acalentada por 91 anos, vai se prolongar ad eternum porque os países da Europa se tornarão mais reticentes a apoiar a presença de quem deu asilo a cidadão europeu sob o fundamento de que ele é vítima de perseguição política e seus direitos fundamentais não foram e não seriam respeitados se ele fosse entregue à Itália para cumprimento de sanção penal. Ao negar a extradição, dissemos veladamente que a Itália é deficitária em democracia e observância dos direitos humanos. A postura nitidamente de amparo a quem professa ideologia semelhante a alguns políticos brasileiros – admitir a violência contra inocentes como meio de ação política – colidindo com todas as evidências fáticas e processuais, custará muitos anos de espera para a obtenção de apoios a nossa centenária intenção.

A rigor a pretensão brasileira é mantenedora do statu quo que separa os países em importantes e os outros, o restolho. É má política lutar para entrar no petit comité e se portar como superior aos demais membros do clube. Foi por essa ideia ruim que muitos presidentes, especialmente o último, gastaram tempo e dinheiro. A boa política é liderar ações para a construção de associação de países que não discrimine povos (árabes, hindus, africanos), atuando em benefício da paz a partir do pressuposto de que somos todos iguais em dignidade. De qualquer modo, ao dar de ombros às conquistas europeias na garantia dos direitos fundamentais, perdemos o lugar na proa e, por muito tempo, ficaremos no porão, a ver o mar pelo espaço minúsculo da escotilha, sem capacidade de representar povos que desejam navegar a novos horizontes nas relações internacionais.

Outra externalidade negativa (efeito colateral) será o óbice à presença de brasileiros nos Tribunais Internacionais. O peso numérico e político da Europa se fará sentir no mo­­­mento da composição do Tribunal Penal Internacional, da Corte Internacional de Justiça, do Tribunal do Mar, e grandes juristas brasileiros perderão preciosas oportunidades de marcar a jurisprudência internacional com a qualidade da cultura brasileira.

Os economistas dizem que não há almoço de graça. Em política também não há ações sem custos. Agora, incumbe suportá-los.

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