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Os sonhos de paraísos perdidos no horizonte estão em baixa ultimamente. Não se fala de nirvana oculto em meio a montanhas ou numa ilha remota. O mundo ficou pequeno demais para a tecnologia e se alguém anunciar um local onde a água cristalina flua ao lado de riachos de iogurte e mel, basta ir ao Google Earth para dar uma espiadinha nas coordenadas geográficas e obter imagem de um matagal, um deserto ou pior uma cidade. As fantasias soçobram ante o império dos sentidos marcados pela realidade.

A válvula emocional de um Eldorado mundano ou de um pedacinho do céu ao alcance dos vivos sempre fermentou idéias que resultaram em literatura e ações políticas. Canudos no sertão da Bahia, o Templo do Povo de Jim Jones na Guiana, Arembepe e os hippies maconheiros embalados por Janes Joplin, o Khmer Rouge no Camboja, foram tentativas trágicas ou cômicas de fazer o paraíso aqui, agora. Essa vertente operosa, que não se conforma em procurar o éden em algum lugar utópico ou esperar pela chegada dele na virada do milênio, é muito perigosa porque pressupõe que os humanos são naturalmente bondosos e a maldade do mundo é fruto do ambiente cultural. Assim, a mágica transformação do inferno em paraíso se dá pela simples mudança das regras reguladoras da convivência. O adjetivo novo sempre acompanha esses paraísos artificiais: novo tempo, novo homem, novo lugar. Só a realidade, que teima em se impor, é velha.

Para alguns o paraíso fiscal sempre foi mais importante que qualquer éden anarquista. Um lugar seguro para aplicar a dinheirama extraída dos dependentes químicos ou roubada pelos inclementes cínicos que lesam os cofres públicos, é o sonho dos criminosos. Os fora-da-lei também têm as suas utopias: corrompem a sociedade onde vivem, mas necessitam de um lugar seguro para as fortunas que acumulam. O esmeril da realidade é tão poderoso que até essa segurança foi destruída pela crise financeira e com medo de perder mais, sonham em trazer de volta toneladas de dinheiro.

Às vezes, por motivação política conjuntural, sonhos são criados ou mortos. A riqueza do petróleo do pré-sal foi a nossa curtição, sonho de algumas noites tropicais: haverá dinheiro para todas as bolsas famélicas e para os bolsos abastados, participaremos do clube dos grandes produtores de petróleo, seremos o Brasil potência. Pena que não durou mil e uma noites e o gigante acordou grogue para a vida real das relações internacionais com a bofetada desferida pelo presidente do Equador, um tiranete mal-educado que está dando um calote em dinheiro do povo brasileiro.

Na ressaca pós-sal e pós-fraternidade latino-americana, quem gastou os petro-reais antes de fincar os tubos no fundo do mar, faz de conta que nunca se falou no assunto e a vida segue à espera de uma nova fantasia que pode se materializar na mega-sena ou no investiment grade. Talvez seja politicamente razoável que governos façam sonhar, porque os ideais têm alta capacidade mobilizadora, mas fazem tolices quando perdem o pé da realidade e passam a acreditar no Shangri-lá que prometeram.

De certa forma as grandes modificações do modo de viver surgiram de algum tipo de fantasia. A república era uma fantasia diante das monarquias, a democracia, ante as tiranias. Instituídas as repúblicas democráticas, isto é, não oligárquicas, a rotina continua a premer a vida com o peso do tédio, da sensação de fim da história. Com isso, os sonhos continuam presentes: se há pobreza, sonhos de consumo conspícuo, se há consumo, idealiza-se a frugalidade. Uma angústia expressiva, não depressiva, é o motor das utopias.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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