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O suicídio de Getúlio fez parecer que tudo ia mudar. Lágrimas da multidão nas ruas, impropérios dirigidos aos políticos, apedrejamento da Embaixada dos Estados Unidos. Da catarse, imaginava-se, brotaria novo país, no qual o povo elegeria políticos melhores e todos seriam felizes para sempre. Para evitar romarias, o corpo foi inumado em São Borja e as forças políticas trataram de preencher o vácuo com o início do governo do vice-presidente, Café Filho, que alçou ao Ministério personalidades desvinculadas do varguismo, a exemplo de Bento Munhoz da Rocha Neto, e para Ministro da Guerra (hoje, da Defesa) nomeou-se um general silencioso e apartidário, Henrique Lott. Assim, ofuscado pela luz do suicida que entrara para a história, Café Filho conduziu sua rotina, até que, subitamente, ficou doente e entregou o governo a Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados.

O trombone da UDN, Carlos Lacerda, que havia feito tanto barulho contra Getúlio, escapara vivo do atentado que matou seu segurança, oficial da Força Aérea, sonhava em chegar à Presidência da República sem eleição, ungido como salvador da nação. O projeto da ala udenista radical começou a fazer água quando Juscelino venceu a convenção do PSD e, em outubro de 1955, ganhou a eleição para presidente com maioria simples, conforme a regra eleitoral vigente.

A virulência verbal de Lacerda dirigiu-se a novo alvo: impedir a posse da Juscelino. Tramas e tramoias das vivandeiras de quartel em frenesi com a possibilidade dos militares não permitirem a posse, em 31 de janeiro de 56, do eleito. Aí alguém lembrou: e o Lott, o que pensa disso? Lott disse não e, mais que isso, movimentou o Exército para, confrontando boa parte da Marinha e Força Aérea, assegurar o cumprimento da Constituição Federal, com a posse de Juscelino na data aprazada em lei. Para isso, derrubou dois presidentes: Café Filho e Carlos Luz, atores da tentativa de obstar a confirmação da vitória eleitoral de JK e o presidente de Senado, Nereu Ramos, assumiu a Presidência da República para dar posse ao eleito. Na firmeza da decisão, Lott mandou os fortes da Guanabara alvejarem o Cruzador Tamandaré que zarpava em direção a Santos levando a fina flor dos golpistas, dentre eles Carlos Luz, que pretendiam invalidar a eleição presidencial. Os artilheiros não sabiam operar os canhões e a "República do Tamandaré" saiu ilesa, mas politicamente derrotada.

Empossado, Juscelino governou de modo a fazer a transição entre o Brasil rural e o industrial. Lott, em 1959, foi candidato a presidente pelo partido de JK, em aliança com o PTB. Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, já figuras de proa do PSD, o apoiaram integralmente. Contudo, sem apoio explícito de Juscelino, perdeu a eleição para Jânio Quadros e vaticinou que a figura estrambótica renunciaria ao governo, como já fizera em manobras políticas pretéritas, numa das quais deixou Bento Munhoz da Rocha Neto ao léu. Jânio, como previsto, renunciou e a posse de João Goulart, vice-presidente, ameaçada pelas mesmas figuras que no final de 1955 queriam obstar a de JK, foi novamente garantida por Lott, que da reserva orientou a formação da rede da legalidade capitaneada por Brizola.

Lott, quando candidato a presidente, afirmou a necessidade de investir fortemente na escola pública para garantir o acesso a todos os brasileiros; defendeu as riquezas minerais do Brasil ante a cobiça estrangeira, reiterando a importância do controle nacional sobre a lavra e a transformação dos minérios em bens elaborados, para que déssemos salto de qualidade nas exportações. Era nacionalista e não-comunista convicto. Seu patrimônio material, inventariado em 1984, ano de sua morte, se resumia a apartamento no Rio e chácara em Teresópolis. Não tinha negócios, nem consultorias empresariais.

A breve lembrança da honestidade e ideário de Lott, soldado da legalidade, com senso de responsabilidade pela democracia, é reconhecimento de que biografias dessa grandeza são escassas e muito preciosas para a construção da nacionalidade.

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