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Os curitibanos deveriam ser chamados para a discussão sobre o clima em Copenhague: são doutores nesse assunto. Convidar políticos que usam as aparições na televisão para se mostrar co­­mo senhores da situação, fazendo pose de quem manda naquele mooonte de gente que vai andando como fiéis em procissão, agarradinhos a Madona; loucos de todo gênero que se vestem de foca e ficam batendo palminhas quando a câmara de vídeo aponta para eles; cientistas que fazem "truques" para tornar mais convincentes os números da temperatura, é discriminar e excluir quem sente na pele, num dia, as variações climáticas de 12 me­­ses. Poderíamos nos revoltar e instalar em Curitiba uma Con­­ferência Mundial sobre o clima ... de Curitiba! Acusados de rebeldia sem causa não seríamos.

Falando sério, a discussão na Dinamarca sobre o aquecimento global, em continuidade a outros encontros, um deles em Curitiba, é importante porque tem foco sobre o modo como os humanos se relacionam com a natureza. É por demais singelo afirmar que os selvagens sabiam lidar com a terra e os modernos não sabem. Isso não é verdade. Nossos ancestrais predavam o ambiente gulosamente; não o devoravam todo porque os brutos eram poucos. A tribo de 2 mil pessoas faz estrago irrisório comparada à cidade de milhões. Nos primórdios da civilização se construíram desertos, a exemplo da região onde hoje é o Iraque que era verdejante e a agricultura irrigada salinizou faz 5mil anos; as minas romanas em Médula na Espanha se exauriram há dois milênios e a face lunar ainda está lá; faz quinhentos anos que os nativos da Ilha da Páscoa derrubaram a última ár­­vore para rolar as pedras das estátuas gigantes e desertificaram o ecossistema. As respostas para atender as necessidades atuais sem inviabilizar as gerações vindouras, não estão no passado.

As gerações que nos precederam consumiram recursos da na­­tureza sem se preocupar conosco. Os humanos que caçaram mamutes e outros animais até a extinção não pensaram nos seus descendentes. Agir como nossos antepassados ou nos preocupar com as pessoas do futuro, gente que ainda não está nem concebida? Essa indagação à Shakespeare pode ser traduzida com "ser ou não ser responsável, essa é a questão". Quan­­do o mundo ro­­dava devagar, o futuro perscrutável era igual a ontem. Nos tempos modernos as engrenagens giram rapidamente e as futuríveis (futuros possíveis) se apresentam em grande número. Além das variáveis ordinárias, da natureza, as antrópicas, isto é, criadas pela presença e ação hu­­mana, se tornaram tão relevantes que as predições sobre o amanhã são meras adivinhações, jogo de búzios, cartomante. Pode ser que o uso intensivo dos recursos atuais propicie desenvolvimento breve de tecnologias mais econômicas; pode ser que o uso parcimonioso atrase a chegada de modos menos ecoimpactantes de viver.

Curiosa a situação dos viventes brasileiros: quando começam a fruir as delícias da Terra, parece que ela vai derreter. Algo como o menino pobre que poupa para comprar sorvete e, no ato, tropeça e lança ao chão o prazer tão sonhado. Os europeus, japoneses, norte-americanos, se divertem há uns cinquenta anos. An­­daram com carrões, voaram de Concorde, pescaram baleias. Quando chegamos à ribalta, o pal­­co está desmoronando e os confortos energívoros são vistos como crime hediondo. Ao nos posicionarmos para o banquete, a parte que nos cabe nesse latifúndio é a cova do mundo?

Pensando bem, a conjuntura pôs sobre os ombros brasileiros o peso de imensa responsabilidade: temos recursos naturais abun­­dantes e não somos ignorantes como os povos antigos a respeito das limitações da biosfera. Existe a possibilidade de sermos divisores da história entre o desenvolvimento cinza e o verde.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

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