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Manobras contábeis para ocultar déficit do Tesouro Nacional são absolutamente irrelevantes para a perspectiva eleitoral da política. Poucas pessoas têm preocupação e capacidade para compreender números, escrita, rubricas, orçamento, receita, restos a pagar, antecipações de receita orçamentária, desvinculação de receita da União. A quem a contabilidade pública interessa, o tratamento cosmético dos números não esconde a pele de jacaré dos fatos. Ninguém fica iludido, achando que está tudo às mil maravilhas apenas porque as contas apresentadas estão no azul.

O grande público vota no governo conforme haja emprego e renda, sem atinar com questões sutis do erário. Não deixa de votar porque houve saque antecipado do Fundo Soberano para engordar a receita da União ou porque há passivo de quase R$ 200 bilhões em restos a pagar. Então vale tudo para assegurar os votos? Não. A democracia não é apenas eleição. Se assim fosse, Caracas seria caso de estudo como Atenas e Chávez seria o Péricles da modernidade. A democracia é mais que retórica dos comícios e obtenção de maioria de votos.

A democracia exige honestidade na assunção das consequências das opções políticas e gerenciais. Se um governo decide que o déficit do erário, inflação, desequilíbrio na balança comercial são consequências aceitáveis para a execução de seus projetos, não há razão leal para a dissimulação. A ocultação dos efeitos colaterais é reconhecimento de que eles são extremamente nocivos e o governante não quer assumir a responsabilidade pelos efeitos danosos.

Se fosse relacionamento exaurível num único momento, o uso de qualquer meio para atingir vantagem não contaminaria o resultado. Jogo de um lance. Vencer de modo a aniquilar o derrotado para impedir que haja novos lances. Nem a guerra é assim – por isso os meios pérfidos são repudiados, porque sempre há o dia seguinte para arcar com as consequências. Governar é jogo de lances continuados, sem data para acabar. Os partícipes do processo (eleitores e políticos) se relacionam perenemente. Aqui, os meios contaminam os fins.

Meios moralmente reprováveis geram danos mais onerosos que eventuais benefícios alcançados com o atingimento de uma finalidade. Na questão da contabilidade "criativa" da União para apresentar superávit inexistente em 2012, a imoralidade dos meios leva, no médio prazo, à deterioração da confiança na palavra do governo. Não é simplesmente divergir da ideologia e gestão de quem governa na ocasião; é desconfiar da palavra, da honorabilidade. A desconfiança afeta negativamente a economia e, mais adiante, vem o revés eleitoral.

Eleitor e ator econômico – trabalhador ou empreendedor – são expressões do mesmo indivíduo. A sensibilidade econômica é maior que a eleitoral. O eleitor não percebe o efeito do seu voto entre milhões, não conectando a sua escolha com o rumo do governo. Todavia, o ator econômico sente os efeitos da ação governamental quase instantaneamente e reage para se proteger se desconfia que pode ir à bancarrota caso acredite no discurso dos ministros.

Confiança nos números públicos não é coisa da direita. A honestidade não tem ideologia.

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