• Carregando...
 |
| Foto:

A paisagem pedregosa das montanhas, águas frígidas serpenteando em meio a campinas extensas, uma ou outra araucária a deixar no ar a dúvida sobre serem autóctones ou importadas, vento fresco, quase frio, es­­tra­­da se perdendo no horizonte do olhar; Diamantina fica para trás, os declives se acentuam e a paisagem vai ganhando coloridos e aromas diferentes da platitude das terras altas do norte das Minas Gerais. O carro leva o corpo; a mente permanece absorta nas imagens da casa simples, tosca, onde Juscelino Kubistchek passou a infância; na desarmonia das linhas de Niemeyer saltando do meio do casario colonial; na mansão aprazível de Chi­­ca da Silva, certamente muito mais inteligente que bela, pois do marido importante ninguém sabe e dela se fazem lendas.

Estórias ou histórias, os bravos que se aventuraram nos ca­­fundós do mundo à cata de ouro encontraram diamantes. Em Lisboa hou­­ve procissão, rezas, cartas ao Papa: graças a Deus a América lu­­sitana não era apenas grande e de­­pauperada como Portugal, era o Eldorado que os espanhóis não haviam achado. À Coroa quase falida as notícias alvissareiras to­­nificaram a sa­­nha tributária. Pro­­fanam-se até os santos para escapulir dos tributos reais; ouro e diamantes vão para a Europa no ventre de estátuas barrocas. Os mineiros aventureiros não escapam da morte, mas das taxas, con­­trariando a máxima de que não se escapa das duas coisas.

A riqueza fácil, construída na faiscagem lotérica das pedrinhas cintilantes, fazia novos ricos to­­dos os dias. Para se exibir, barganhavam cinco partes de ouro por uma de prata: estribos, arreios, oratórios, relicários moldados com o metal que vinha de longe, da Cordilheira dominada pelos castelhanos. Enquanto alguns desfilavam pelas ladeiras com liteiras carregadas nos om­­b­ros de escravos, outros conspiravam para proclamar a Re­­pú­­blica. Os exibicionistas e seus mo­­dismos suntuosos permaneceram nas passarelas enquanto os republicanos foram para a forca. Os vencedores ficaram com as batatas do esquecimento; os perdedores, com estátuas nas pra­­ças e a toponímica das cidades e ruas. Tira­­dentes e os sonhos dos in­­con­­fidentes foram vitoriosos ao se­­rem derrotados, pois não fenderam a integridade territorial do Brasil e não correram o risco de dar início a mais uma das muitas republiquetas indolentes ao sol de Parador.

A história falada na linguagem rudimentar se torna mito. As minas ocas, estéreis, empobreceram os ricos e esfomearam os pobres; o silêncio caiu sobre o sertão. As lonjuras voltaram a ser distantes. Sem o ânimo da fortuna brotando do chão, a légua antes vencida lépida numa hora se tornou suplício pelas veredas íngremes. Não os bravos, apenas os furiosos permaneceram na imensidão agreste. Da terra revirada, esburacada, exaurida pelo garimpo brotaram outros brilhantes: homens como Guimarães Rosa, capazes de traduzir o universo pelo particular. Manuelzão é o bairro e o cosmo da condição humana. De repente, os olhos são invadidos pelos edifícios, o rugido dos au­­tomóveis apaga as imagens do sertão e o caminho para Curitiba de róseo e mítico, passa a plúmbeo e realístico, como o correr da vida. É uma viagem pelo Brasil que o Brasinha cultiva na vendinha de Cordisburgo.

Friedmann Wendpap é juiz federal e professor de Direito da UTP.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]