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A faixa em inglês apareceu ao fundo de uma foto da chuva de pedras na Praça Tahrir no Cairo, revelando a importância desse meio de comunicação que se tornou acessível de verdade há uma década. As mensagens via celular são variação do mesmo tema: a universalização do poder de emitir mensagens a grande número de pessoas.

Todos podem se comunicar pela fala; porém a voz, sem meios de ampliação espacial e temporal, alcança pouca gente. Além disso, as palavras voam, não são retidas, e civilizações ágrafas acumularam pouco conhecimento; memorizar detalhes e informações relevantes de modo a reproduzir conhecimentos e habilidades é muito difícil à medida que aumenta a quantidade de dados a serem arquivados. Por isso, sem a escrita, continuaríamos em bandos levemente menos primitivos que os símios. As letras incrementaram o poder de comunicação, mas dominá-las para escrever e ler (atos não naturais) exige iniciação que restringe o número de emissores e receptores. Escrever sobre pedras da parede do penhasco comunica ideia apenas aos transeuntes alfabetizados. Em suma, poucos. O papel propiciou a circulação da comunicação, mas a sua expensividade limitava o poder de emissão de informação. Tudo isso condicionado pela restrição numérica dos leitores. A universalização da habilidade de escrever e ler, mais essa do que aquela, aconteceu ao longo do século 20, que será conhecido no futuro remoto como o ponto da virada, o momento em que os iletrados se tornaram minoria, mudando o padrão de 600 séculos nos quais foram maioria esmagadora.

A fotografia, o rádio e a deusa televisão causaram a impressão de que os jornais e livros estavam fadados à extinção. Sons e imagens valem mais que mil letras! Os anos 80 e 90 pareciam ser a confirmação da cultura sem grafia, na qual a habilidade de escrever e ler se tornaria irrelevante. Lápis e canetas ocupariam espaço nos museus junto com os cinzéis que lanharam a estela para gravar o Código de Hammurabi. Porém emitir comunicação por rádio e tevê é possibilidade reservada a poucos: a finitude do espectro eletromagnético e imensidão de capital necessário para organizar o equipamento desequilibra a relação comunicacional. Elite emissora e massa receptora. Nessa elite podem estar entes particulares ou públicos; de qualquer modo a maioria permanece no polo passivo da relação, como receptor, sem poder para se tornar emissor a grande público.

Para romper essa desproporção era preciso organização empresarial ou política em larga escala. Os centros acadêmicos, os partidos nanicos, os sindicatos, tinham como alma a publicação de jornal em papel e a ocupação de tempo nas emissoras de rádio e tevê para comunicar ideias. Esse esforço assegurava a diversidade ideológica, uma das condições e, ao mesmo tempo, um dos efeitos da democracia. Contudo, para haver organização, há grande dispêndio de energia e, ao fim e ao cabo, a situação permanecia a mesma: poucos emissores, massa de receptores.

Com a internet todos têm o poder de emitir comunicação em grande escala a custo módico e a escrita voltou à ribalta. Quando a ditadura militar cortou os dutos da internet, feriu a potência comunicacional de milhões de pessoas e acirrou a indignação, levando os insurgentes a se articular pelos meios tradicionais, especialmente os partidos políticos. A multicefalia, quase acefalia, propiciada pela internet fazia a insurgência ficar sem face e sem interlocutores legítimos e, de certa forma, facilitava as coisas para o governo porque a multidão não tinha liderança definida. Ao tolher o poder individual de emitir mensagens a milhões, o governo ditatorial do Egito forçou os rebeldes a se agruparem em coletivos e constituir representantes – líderes – para a interlocução com os demais grupos oposicionistas e com o próprio governo.

A política se faz entre elites que decidem o destino da coletividade, ou seja, o seu próprio e o da massa. Exatamente o que está acontecendo no Egito. A internet cria facilidades para o surgimento de lideranças não orgânicas, sem vinculação com estruturas politicamente organizadas, mas, como se viu, não é capaz, por si só, de fazer a rebelião das massas na direção da democracia.

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