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"Você é burro ou fascista?", pergunta-me um leitor. Fascista, não; sempre repudiei a adoração do Estado. Mas reconheço que devo ser bem burro. Do contrário, não precisa ter vivido quatro décadas e mais quatro anos para descobrir que todos os momentos da existência humana sobre a Terra são marcados por um adeus.

Hoje sei que mesmo os momentos mais felizes de nossa vida eram adeuses disfarçados. A imagem do pai lendo um livro na sala, no apartamento da Alameda Barão de Limeira, quando eu tinha 2 ou 3 anos, era um adeus. A festa de luzes apagadas na república da Rua Humaitá, com as garotas do curso de Fisioterapia dançando vestidas de branco na cozinha, era um adeus. Os churrascos na casa do meu amigo e irmão Marcelo Rocha – hoje repórter que aparece até no Jornal Nacional – eram um adeus. As quintas sem lei no Bar Brasil, quando cantávamos o Hino à Bandeira com entusiasmo e desafinação, eram um adeus. As férias na praia de Itanhaém eram um adeus. O nascimento das crianças, o abraço da mãe, a conversa com o amigo Bonfim, morto há 22 anos: tudo era um adeus e eu não sabia.

No entanto, para cada adeus existe uma consolação. Tal é a dialética a nos manter vivos. Se assim não fosse, seríamos sugados irresistivelmente pela força dos adeuses. Nosso nome seria abandono – e o abandono é um passo depois da solidão. Se existe o lugar onde Judas perdeu as botas, o abandono fica 700 metros adiante.

Viver é aprender a ciência do adeus. Em 1948, um jovem sacerdote polonês procurou o Padre Pio em busca de conselho e bênção. Ouviu de seus lábios: "Serás papa, mas vejo violência em torno de ti e sangue na tua batina branca". João Paulo II se lembraria das palavras do santo ao ser eleito e ao ser baleado.

Às vezes o que parecia adeus torna-se a consolação. Quando o padre José de Anchieta, apóstolo do Brasil, foi feito refém por uma tribo, consolou-se escrevendo um poema à Virgem Maria nas areias da praia. Quando Bento XVI anunciou sua renúncia, seguiu-se um pesado silêncio no mundo inteiro. Mas esse adeus era exemplo manifesto de consolação para a Igreja.

E a cruz – essa mesma cruz que tantos pretendem ver banida dos espaços públicos e da vista das crianças – é ao mesmo tempo adeus e consolação: o sinal da presença de Deus em todos os instantes da vida. Mesmo os humanos de inteligência mais limitada, como este cronista, um dia conseguem entender que o conhecimento do adeus-consolação simboliza a única tábua, o singular madeiro capaz de salvar os náufragos do mundo.

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