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Na semana passada, uma porta de vidro caiu sobre mim quando tentei abri-la. Felizmente, a porta era feita de vidro temperado e coberta por uma camada de insufilm, circunstâncias que evitaram danos à minha pessoa. Foi só um susto – como se diz às crianças. Por falar em crianças, a melhor parte do episódio foi poder contá-lo a meu filho ao chegar em casa.

Tenho certa experiência em acidentes com portas de vidro. Em 1971, com 1 ano de idade, caí sobre uma delas e levei três pontos na orelha esquerda. Naquela época morávamos no apartamento 11 da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Estavam lá meu pai, minha mãe, a Vó Maria e o Vô Briguet. Todos eles já abriram a última porta.

Você já parou para pensar na quantidade de portas que abrimos e fechamos todos os dias? Desenvolvi uma obsessão pelo assunto. Coleciono na memória portas de antigas casas, apartamentos, escolas, locais de trabalho, hotéis, bares, restaurantes, museus, cinemas, teatros, salões. Um dia, passei pela frente de uma igreja e a porta estava aberta. Entrei. Não saí.

Tenho especial saudade da porta da república de estudantes na Rua Humaitá, número 143. Estava sempre aberta, dia e noite – exceto quando eu esquecia a chave.

Portas com olho mágico sempre me pareceram misteriosas. É como se, de alguma forma, a porta adquirisse vida própria, pois um objeto dotado de olho se torna quase um ser.

Ao longo dos séculos, portas fechadas têm provocado admiração e medo. Todos nós um dia ouvimos histórias de portas que nunca são abertas em castelos, palácios e casas antigas. Abri-las é correr o risco de fazer uma viagem sem retorno. Diante da Porta do Inferno, obra-prima de Rodin, é impossível não pensar na advertência de Dante: "Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!"

Há também o estranho – mas inegável – efeito das portas fechadas numa cela de prisão. Hermann Broch começou a escrever o clássico A Morte de Virgílio em 1938, quando passou cinco semanas preso pela Gestapo. Cervantes, Camões, Dostoievski e até meu querido João Sebastião Bach conceberam obras-primas na cadeia. No Brasil, há Graciliano Ramos, cujo período de confinamento na Ilha Grande acabou por inspirar Vidas Secas e Memórias do Cárcere. Espíritos criativos têm o dom de transformar sofrimento em beleza; e isso é algo que os fanáticos do poder jamais entenderão.

Ao longo de uma vida inteira, por quantas portas passamos? Nunca saberemos ao certo. Importante mesmo é se no fim vamos encontrar aquele que disse: "Eu sou a porta".

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