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Meu amigo Onofre perdeu um filho há nove anos em acidente de moto. Meu amigo José perdeu um filho há seis anos em acidente de carro. Meus amigos Nelson e Dilza perderam um filho há oito anos em acidente de carro. Minha amiga Ana Paula perdeu os dois filhos há 13 anos em um atropelamento. Meus amigos Mauro e Selma perderam a filha há dois anos, vitimada por um tiro.

Todos os dias, sem exceção, eu penso neles: nos filhos que se foram e nos pais que ficaram. Todos os dias eu penso nessa terrível inversão da ordem natural das coisas. Depois da morte do filho, meu amigo Onofre e sua esposa, Carmem, passaram a frequentar um grupo cristão de pais que sentem a mesma dor. O grupo se denomina Evangelho das Mães. Segundo Onofre, os pais de filhos que partiram são como pássaros de asas quebradas. A asa pode até voltar a funcionar, permitindo o voo, mas uma sombra de dor sempre persistirá. E nas mudanças de clima a velha ferida volta a doer com intensidade.

Às vezes, no meio da noite, penso nos amigos pássaros. Levanto-me silenciosamente, para não acordar a Rosângela, vou até o quarto do Pedro e por alguns instantes fico observando a tranquilidade do seu sono, o ritmo da sua respiração, a suavidade de seus traços. Quantos pais não dariam tudo para poder reviver esse momento! Então eu agradeço.

Esperando na fila do correio, abri uma antologia poética ao acaso. Era a página do Cântico do Calvário, de Fagundes Varela, cuja epígrafe diz: "À memória do meu Filho morto a 11 de dezembro de 1863". Foi quando percebi a data: 11 de dezembro. O filho do poeta havia morrido exatamente 150 anos atrás. "Eras na vida a pomba predileta / Que sobre um mar de angústias conduzia / O ramo da esperança..."

Outro dia o Pedro me perguntou o que era um órfão. Eu expliquei a ele que órfão é a criança que não tem papai nem mamãe. Disse também que havia muitos órfãos no mundo, e que eles vivem em lugares chamados de orfanatos. Só não disse a ele que existe no mundo outro tipo de órfão. Existe o órfão José, que no meio da noite escreveu o nome e o sobrenome do filho, seguido de um ponto de exclamação, para expressar a dor que sentia naquele momento. Existem os órfãos Onofre, Carmem, Nelson, Dilza, Ana Paula, Mauro, Selma, Vivian... Há 2 mil anos, existiu a órfã Maria – e podemos ver a força de sua dor na Pietà.

A palavra Evangelho quer dizer boa notícia. Para todos os órfãos do mundo, há uma esperança. Sim, meus amigos de asas feridas: um dia, todos eles vão ressurgir, trazendo o ramo da vida nova.

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