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Os judeus dizem que as mães foram criadas para que Ele possa estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Imagino que tenha criado as avós pela mesma razão – "apenas" acrescida de pão de queijo, bolo de milho, chocolate quente, preces e uma infinita disposição em perdoar tudo que os netos fazem.

Na quinta-feira eu conversava com minha amiga Cláudia e ela dizia da admiração e amor que tem por sua avó de 82 anos. Cláudia percebe na avó uma inacreditável capacidade de refazer conceitos sobre o mundo e as pessoas. "Ela aceitou que eu não seja mais a menininha de quem ela sente tantas saudades", disse minha amiga.

No dia seguinte, fui surpreendido com a notícia da morte de dona Catarina Maria Motta, avó de Cláudia. O mais incrível é que, ao elogiar a avó, Cláudia havia falado sobre o sentido oculto das ações de Deus. "Quando recebemos uma notícia ruim, na hora nos revoltamos, mas depois acabamos por entender que havia um propósito para aquilo."

Catarina deixa 43 órfãos (entre filhos, netos e bisnetos). Matriarca mineira de receitas inesquecíveis e intransferíveis (aqui "um bocadinho de açúcar", ali "um punhadinho de farinha..."), ela era uma espécie de doutora no desafio de ser duas vezes mãe. Católica fervorosa, gostava de fazer orações junto com a família. De repente, dizia aos netos: "Vamos rezar um terço? É bom aproveitar enquanto estamos com saúde, assim depois a gente fica com um ‘estoque’ de oração garantido..."

Que posso dizer neste momento, amiga Cláudia? Direi que eu amava muito a Vó Maria. Fui praticamente criado por ela, pois meus pais trabalhavam fora (meu pai, bancário; minha mãe, professora) e passávamos juntos a maior parte do dia. Em muitos sentidos, sou filho de minha avó.

Sei que ela não gostou nada quando descobriu que o neto mais velho, em um desses arroubos da juventude, tornara-se ateu. Lembro-me das manhãs em que eu passava pela porta do seu quarto e a ouvia murmurar alguma coisa. Ela estava conversando com Deus (também fazia "estoque" de orações). Um de seus pedidos era para que eu voltasse a ter fé. Foram atendidos.

Minha avó morreu aos 86 anos, um mês antes do papa João Paulo II. A avó de Cláudia tinha 82 anos, e voltou para casa um dia depois que o papa Bento havia deixado o Trono de São Pedro. Ambas eram Marias.

Não sei por que as coincidências existem, Cláudia. Na verdade, não são coincidências, mas versículos de uma história que vai sendo contada no Livro da Vida. Há um sentido em tudo isso, mas um sentido que as meras palavras de um cronista não podem captar. A dor, a saudade e a tristeza são apenas vestígios de uma graça que perdemos e vamos reencontrar um dia. Aceite o abraço deste amigo que também é órfão de vó.

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