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| Foto: Juan Mabromata/AFP

Inflação anual superior a 30%, déficit fiscal de 5,1% do PIB, desvalorização de 50% da moeda nacional (o peso) frente ao dólar, queda do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018 de 1%, elevação da taxa básica de juros para 60% ao ano e, por fim, a súplica ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para conseguir que o órgão antecipe a liberação do empréstimo de US$ 50 bilhões. Esses são alguns dos aspectos mais recentes da Argentina, os quais mostram que a crise econômica está longe de ser superada. O estrago sofrido pela estrutura econômica argentina nos últimos 50 anos foi de tal natureza que não há milagre capaz de consertar a situação no prazo curto. 

O presidente Mauricio Macri herdou uma economia devastada e, se há um erro que lhe pode ser atribuído, é o de ter tentado uma solução gradual e suave para o gravíssimo quadro de problemas. O FMI já havia emitido alerta sobre o tamanho e a gravidade do déficit nas contas públicas, para o qual o tratamento gradual acabaria se provando um erro, e o governo iria amargar as consequências de sua decisão de não adotar tratamento radical contra o desequilíbrio das contas. A ironia está no fato de os alertas do FMI dizerem que o fracasso do caminho suave para tão grave situação viria em forma de inflação alta, insuficiência de dólares para manter as importações, crise cambial e explosão da taxa de juros – exatamente o que está ocorrendo atualmente.

A saída fora da austeridade e do controle do déficit fiscal é pura demagogia 

Os efeitos do grave conjunto de problemas terminariam agravados pela perda de confiança na economia do país tanto por parte dos agentes econômicos internos quanto pelos investidores estrangeiros, com fuga de capitais. Esse quadro iria obrigar o governo Macri a mendigar liberação de empréstimos em moeda estrangeira e a tomar as medidas duras que se recusara a tomar quando assumiu seu mandato, em 2016. Vale relembrar que a Argentina é uma das economias mais dolarizadas do mundo, como resultado de práticas repetidas de confiscos de renda e patrimônio, moratória de dívida pública interna, negação de dívidas externas e confrontação com os organismos internacionais, principalmente o FMI. 

Agora, com o anúncio de aumento de impostos, corte de gastos e pedido de socorro ao FMI, o presidente Macri toma uma decisão desesperada e que lhe custará perda de popularidade, até porque ele chegou ao poder prometendo que não haveria ajuste, discurso estranho para um país que se meteu em um buraco fundo, com máquina estatal inchada e gastadora, e déficits crônicos. O governo argentino acaba de impor retenção de 10% de cada dólar obtido pelos exportadores e anunciou eliminação de 13 dos 23 ministérios, além de outras medidas de contenção de gastos. Tudo isso para tentar ganhar a confiança do mercado, coisa que se apresenta difícil a julgar pelo histórico do país de não cumprir suas promessas de austeridade. 

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Ao comentar o pacote de medidas duras, o ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, admitiu que elas têm um caráter recessivo neste ano, cujo PIB está com previsão de cair 1%. Para acalmar os ânimos das camadas mais pobres da população, o governo anunciou que manterá os orçamentos dos programas sociais. Quando confrontado com as críticas de que não faz sentido aumentar impostos e cortar gastos em um período recessivo, o governo argumenta que o país não tem saída e que, com a liberação dos US$ 50 bilhões pelo FMI e a recuperação de alguma confiança do mercado, o país poderá manter o fluxo regular das importações, estimular a entrada de capital estrangeiro, conter a desvalorização do peso, frear a inflação e fazer o PIB voltar a crescer. Macri vem dizendo que a saída fora da austeridade e do controle do déficit fiscal é pura demagogia de quem não tem a responsabilidade de consertar a danificada economia nacional e o desastroso estado das contas do governo, que ele diz ter herdado dos governos anteriores. 

O governo afirma que, infelizmente, quando o atual presidente tentou fazer a Argentina voltar à vida normal e promover a reinserção do país na economia internacional, ele pegou o mundo na contramão, com aumento do protecionismo comercial (inclusive nos Estados Unidos), saída de capitais em busca de melhores juros (também nos Estados Unidos), redução da confiança dos agentes nas economias emergentes (em parte pelos problemas ocorridos na Turquia, cuja moeda teve desvalorização de mais de 80% neste ano, em decorrência de déficits comerciais e do estremecimento das relações com os Estados Unidos) e um quadro de recessão em vários países da América Latina. O cenário internacional adverso pode ter contribuído para a crise argentina, mas o fato é que as bases da crise foram construídas dentro do próprio país. Se as medidas anticrise vão dar certo ou não, só o tempo dirá.

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