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O presidente russo, Vladimir Putin, discursa em Moscou, em 20 de setembro de 2022
O presidente russo, Vladimir Putin, discursa em Moscou, em 20 de setembro de 2022| Foto: EFE/EPA/Grigory Sisoyev

Em resposta à contraofensiva ucraniana que vem reconquistando territórios invadidos pela Rússia desde fevereiro, o autocrata Vladimir Putin decretou uma mobilização adicional de 300 mil reservistas para apoiar o esforço de guerra russo na Ucrânia. Mas ele não se limitou à tentativa de virar o jogo apelando ao reforço em suas tropas: Putin elevou a retórica nuclear. “Nosso país tem vários meios de destruição, alguns dos quais são mais modernos do que os dos países da Otan”, afirmou, acrescentando que “não é um blefe”.

A ameaça foi repetida, até com maior intensidade, por membros e ex-membros do governo russo. Sergei Markov, ex-assessor de Putin, foi ainda mais longe ao insinuar o uso de bombas atômicas fora da Ucrânia: “Podemos matar muita gente em muitos países. Estamos prontos para usar armas nucleares contra países ocidentais, contra o Reino Unido”, disse. “Esta semana marca o limiar de nossa vitória iminente ou o limiar de uma guerra nuclear”, afirmou Margarita Simonyan, editora-chefe da emissora estatal RT e peça importante na propagandista de guerra russa.

A comunidade internacional precisa reagir à ameaça nuclear – seja ela um blefe ou não – com a promessa firme de que o uso de armas de destruição em massa não será tolerado e terá uma resposta à altura

A ameaça se baseia, em parte, numa falácia. “Usaremos todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e nosso povo”, disse Putin. “Todas as armas russas, incluindo armas nucleares estratégicas e armas baseadas em novos princípios, podem ser usadas para proteger a Rússia”, afirmou Dmitri Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-presidente do país. No entanto, em nenhum momento a integridade do território russo esteve ameaçada. Os ucranianos lutam única e exclusivamente para defender o próprio território – a Ucrânia foi acusada de atacar a cidade russa de Belgorod, próxima à fronteira, mas os russos jamais conseguiram comprovar que os ucranianos fossem responsáveis pelas explosões na cidade.

A loucura, no entanto, tem método. É muito provável que Putin não tome nenhuma atitude drástica antes dos referendos de fancaria (como o realizado na Crimeia em 2014) marcados para os próximos dias. Nessas votações, a população das regiões de Luhansk, Kherson, Zaporizhzhia e Donetsk supostamente decidirá se elas devem integrar-se à Rússia. Após o inevitável resultado favorável à anexação, o Kremlin poderia alegar que há tropas ucranianas em solo russo – ainda que a comunidade internacional siga reconhecendo as quatro áreas como pertencentes à Ucrânia –, o que autorizaria uma retaliação nuclear.

A escalada de Putin, tanto a real quanto a ameaçada, não vem sendo vista com bons olhos nem internamente, nem por aliados. Em uma demonstração de que a propaganda de guerra russa não está sendo engolida pelo público interno, milhares de russos que podem ser convocados estão deixando o país da maneira que puderem – houve uma disparada no preço das escassas passagens aéreas restantes em voos para os próximos dias com destino aos poucos países que não aderiram a restrições a voos oriundos da Rússia. Nações aliadas de Putin também se manifestaram. O chanceler chinês, Wang Yi, afirmou na quarta-feira, dia 21, que “a soberania e a integridade territorial de todos os países devem ser respeitadas”; o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, foi mais explícito e afirmou, na segunda-feira, dia 19, em entrevista à emissora norte-americana PBS, que todos os territórios ucranianos invadidos deveriam ser devolvidos – inclusive a Crimeia.

Alguns líderes ocidentais receberam as novidades como sinal de que Putin estaria enfraquecido. Estejam eles certos ou não a esse respeito, Putin também espera uma paralisia ao menos temporária do ocidente, temeroso do que o russo poderia fazer – nessas circunstâncias, um blefe já serviria muito bem ao Kremlin, pois nenhuma nação ocidental quer o uso de armas nucleares na Ucrânia. O momento, no entanto, não é de medo paralisante; a comunidade internacional precisa reagir à ameaça nuclear – seja ela um blefe ou não – com a promessa firme de que o uso de armas de destruição em massa não será tolerado e terá uma resposta à altura. Além disso, é preciso reforçar a ajuda econômica e militar à Ucrânia e as ações que tentam impedir a Rússia de seguir financiando seu esforço de guerra. Não há outro desfecho aceitável além da recuperação integral do território ucraniano invadido em fevereiro – qualquer outra solução seria uma validação da estratégia de agressão da parte de Putin.

Quanto ao autocrata russo, será imprescindível que ele pague pelos inúmeros crimes de guerra cometidos em solo ucraniano. O presidente francês, Emmanuel Macron, tem insistido na busca por uma “saída honrosa” que não humilhe a Rússia. Se com isso ele estiver se referindo a um meio de levar Putin a reconhecer a derrota sem acuá-lo a ponto de ele não ver saída a não ser provocar o Armagedom nuclear, a expressão faz sentido. Mas, por outro lado, uma impunidade completa pelo que o russo já fez não teria nada de honrosa; seria um equivalente da “paz para o nosso tempo” com que o premiê britânico Neville Chamberlain saudou o Acordo de Munique, em setembro de 1938 – menos de um ano depois, a Europa estava mergulhada na Segunda Guerra Mundial.

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