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| Foto: Nelson Almeida/AFP

O discurso que o ex-presidente Lula fez na manhã de sábado, após um ato religioso convenientemente convocado às pressas com o objetivo de criar um pretexto para adiar a sua rendição, esteve recheado das obviedades de sempre: a ideia de que Lula é perseguido por uma elite que não o perdoa por dar ao pobre a chance de andar de avião e comer carne de primeira, a crítica à imprensa, a exaltação dos próprios feitos e, claro, a alegação de que é inocente. Isso sem falar das mentiras explícitas, como a frase inventada “Eu não preciso de provas, eu tenho convicção”, atribuída a um integrante da força-tarefa da Lava Jato (que o ex-presidente não nomeou, mas seria Deltan Dallagnol, o “procurador que fez um PowerPoint”). Mas há algo que Lula não conseguiu, não consegue e não conseguirá explicar.

Sergio Moro, João Pedro Gebran Neto, Victor Laus, Leandro Paulsen, Felix Fischer, Jorge Mussi, Reynaldo Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia: são nada menos que 15 magistrados – juiz de primeira instância, desembargadores, ministros – em quatro diferentes jurisdições (Justiça Federal de primeira instância, Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). Todos eles viram evidências suficientes ou para condenar Lula, ou para manter sua condenação e ordem de prisão. Seria mesmo possível que absolutamente todos eles – alguns dos quais indicados pelo próprio Lula ou por sua sucessora, Dilma Rousseff – estivessem mancomunados para botar Lula na cadeia sem prova alguma? São todos perseguidores e incompetentes? Isso só é possível nos delírios mais megalomaníacos, se bem que megalomania é uma característica que Lula já demonstrou inúmeras vezes, inclusive neste sábado, quando disse que “não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia”.

Não existe nenhum “sonho de consumo” de Moro e do TRF-4 de vê-lo preso. Existem apenas as provas, um caminhão delas

Comecemos pelo primeiro grupo de magistrados: Moro e os três componentes da Oitava Turma do TRF-4 (Gebran, Laus e Paulsen). A eles coube avaliar as provas recolhidas pela força-tarefa do Ministério Público e da Polícia Federal, que acusou Lula de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, por receber um tríplex no litoral paulista, reformado pela construtora OAS, como “agradecimento” pela ajuda na obtenção de contratos da empreiteira com a Petrobras. A condenação, ao contrário do que Lula diz, não se baseou apenas em depoimentos, mas também em provas documentais, como termos de adesão e compromisso, formulários (alguns dos quais rasurados, mostrando intenção de ocultar a real propriedade do imóvel), contratos, declarações de Imposto de Renda, e-mails trocados entre executivos da OAS e até imagens de Lula em visita ao tríplex. Um conjunto tão avassalador que nenhum dos quatro magistrados hesitou em condenar Lula.

Depois do TRF-4, a defesa do ex-presidente levou o caso aos tribunais superiores. Não para analisar o mérito da condenação, mas para conseguir os habeas corpus que livrariam Lula do início do cumprimento da pena. Se tivesse havido arbitrariedade, se a defesa de Lula tivesse sido cerceada ou prejudicada, se a condenação tivesse alguma irregularidade jurídica ou factual, haveria motivo para conceder o habeas corpus. Mas nenhum dos cinco ministros da Quinta Turma do STJ (Fischer, Mussi, Fonseca, Dantas e Paciornik) viu problema, assim como nenhum dos seis ministros que votaram contra o HC de Lula no Supremo (Fachin, Moraes, Barroso, Rosa, Fux e Cármen).

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E mais: mesmo aqueles cinco ministros que votaram a favor do habeas corpus de Lula no Supremo (Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello) só votaram dessa maneira porque são contrários ao início da execução da pena após condenação em segunda instância. Não foram capazes de encontrar um problema sequer no processo de Lula; do contrário, teriam feito alguma menção explícita, mas seus votos se debruçam apenas sobre a tese geral a respeito da presunção de inocência.

Lula está muito enganado: não existe nenhum “sonho de consumo” de Moro e do TRF-4 de vê-lo preso. Nenhuma gigantesca conspiração judicial para colocar um ex-presidente na cadeia por ter “trabalhado pelos pobres”. Existem apenas as provas, um caminhão delas. Lula diz querer “debater” com Moro e os desembargadores do TRF-4, mas o debate já existe e foi feito nos autos. E Lula perdeu em todas. O resto é o famoso jus sperneandi.

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