Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Editorial

A crise do “Estado empresário”

Estado empresário
Ideia do "Estado empresário" ganhou força entre governantes de várias preferências políticas no Brasil. (Foto: Imagem criada utilizando Whisk/Gazeta do Povo)

Ouça este conteúdo

A ideia de que o setor público deveria instituir carga tributária sobre ganhos pessoais, sobre proprietários de terras e imóveis urbanos, e sobre a produção e renda das empresas privadas ganhou corpo e começou a se espalhar a partir da Revolução Industrial, à medida que os governos começaram a participar na estruturação das cidades, especialmente na construção da infraestrutura de transportes exigida pela expansão da máquina a vapor, da estrada de ferro e do trem de ferro. A defesa do aumento da presença do Estado na economia passou a ter maior repercussão por força da Grande Depressão econômica dos anos 1930, e foi nessa circunstância que John Maynard Keynes tornou-se o mais famoso economista do século 20, por suas teorias sobre a economia geral e a defesa da ação estatal como investidor. Keynes defendia o aumento do gasto público na execução de obras como política para elevar a demanda agregada de consumo e investimento, a fim de tirar o mundo da depressão e do grave desemprego.

Foi no contexto da depressão e seus flagelos sociais que o aumento do gasto público passou a receber apoio. Keynes era aplaudido por suas teorias e o crescimento do setor estatal passou a ocorrer de forma acelerada, ensejando o aumento de empresas estatais em grande parte do mundo. A justificativa para as políticas keynesianas de aumento da intervenção do Estado na economia, inclusive por meio de criação de estatais, se pautava no prestígio que as teorias de Keynes conquistaram, porquanto eram teorias bem elaboradas e convincentes, como também porque a acentuada queda do Produto Interno Bruto (PIB) e a elevação do desemprego derivado da falência em massa de empresas exigiam medidas urgentes destinadas a tirar o mundo do caos.

A base da proposta de Keynes era que o setor público passasse a investir em obras, principalmente na infraestrutura física, mesmo à custa de pagar parte dos gastos por meio de déficits orçamentários, incluindo a hipótese de pagar a conta com emissão de moeda. O próprio Keynes argumentava que a emissão de dinheiro naquela circunstância não provocaria inflação, como muitos temiam, já que um dos efeitos da depressão foi o aparecimento da deflação (queda generalizada dos preços). A gravidade daquele momento era uma ferida aberta no coração do capitalismo, e a crise favoreceu a adoção das soluções keynesianas.

Conquanto tenha sido útil nos primeiros anos de combate à depressão dos anos 1930, o “Estado empresário” passou a apresentar longa lista de defeitos econômicos e morais

Em boa medida, os investimentos feitos pelos governos ajudaram a conter a queda da produção e a recuperar parte dos empregos perdidos na depressão. O problema é que Keynes não contava com a lógica da política: uma vez estabelecido novo patamar de gastos públicos, nunca mais os governantes retornariam ao equilíbrio orçamentário. Na base das teorias de Keynes ele deixaria claro que, após vencer a recessão, aumentar o produto e reduzir o desemprego, o governo deveria voltar ao equilíbrio orçamentário a fim de impedir que os déficits públicos crônicos acabassem por provocar inflação e, por consequência, queda do produto, aumento do desemprego e outra recessão. Os governos gostaram da política de elevação dos gastos públicos pagos com déficits e, em geral, nunca mais voltaram ao equilíbrio orçamentário, nem mesmo após superada a depressão.

As teorias de Keynes foram resumidas no livro clássico Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicado no início de 1936, quando a Grande Depressão dos anos 1930 estava sendo vencida, e os debates sobre as funções do governo e os déficits públicos estavam crescendo nos governos, nos parlamentos e nos meios acadêmicos. Mas em 1939 estourou a Segunda Guerra Mundial, e a preocupação do mundo tomou outro rumo. Terminada a guerra, em 1945, e com a necessidade de reconstruir as nações devastadas pelo conflito, os países, em sua maioria, seguiram montando empresas estatais nas mais diversas áreas e aumentando os gastos públicos pagos com a combinação de dívida pública e emissão de moeda.

VEJA TAMBÉM:

Nas décadas seguintes, o mundo ocidental e os países capitalistas em geral passaram a colher manipulação política das empresas estatais, ineficiência gerencial, corrupção, instituição de monopólios estatais, aumento de preços ao consumidor, desperdícios, atraso tecnológico e baixa produtividade. Desde a Revolução Industrial iniciada na segunda metade do século 18, o capitalismo vinha provando ser o mais adequado sistema para preservar as liberdades individuais e o direito de propriedade privada, bem como o melhor instrumento de progresso material. Conquanto tenha sido útil nos primeiros anos de combate à depressão dos anos 1930, o “Estado empresário” passou a apresentar longa lista de defeitos econômicos e morais, principalmente porque a sanha gastadora do setor público consolidou os déficits públicos crônicos. Como os déficits seguiram obrigando os governos a elevarem a dívida pública e emitirem dinheiro, a consequência foi a volta da recessão, da inflação e do desemprego, males que se aprofundaram no fim dos anos 1960 e ao longo de toda a década de 1970.

A solução keynesiana transformou-se no problema que pretendia curar, pois fora elaborada para enfrentar a Grande Depressão dos anos 1930, e não para ser política econômica para todo o sempre e em qualquer cenário econômico. Essa realidade pegou inclusive a maior potência capitalista de todos os tempos: os Estados Unidos. A sustentação de uma gigantesca burocracia estatal constituída de departamentos administrativos, agências de todos os tipos e enormes programas de produção e manutenção de armas e equipamentos de defesa nacional foi a causa principal de os Estados Unidos terem adentrado o ano de 2025 contabilizando um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 29,2 trilhões para uma população de 340 milhões de habitantes e, apesar dessa montanha de produto e da grande arrecadação tributária, terem uma dívida pública no perigoso patamar de US$ 36 trilhões.

Ainda que em certas atividades as empresas não sejam estatais diretamente controladas pelo governo norte-americano, sua estrutura e seus produtos são de uso exclusivamente estatal, como é o caso dos produtos vinculados à segurança e à defesa nacional. O aumento de empresas estatais de produtos para atender exclusivamente o Estado abriu espaço para a criação de empresas estatais destinadas à elaboração de produtos simples que podem e devem ser feitos pelo setor privado. E esse é um quadro que acabou por agravar a falência do “Estado empresário”, com todas suas mazelas já mencionadas. No caso brasileiro, a recuperação da capacidade de crescer na economia e de melhorar as políticas sociais depende em boa medida de um amplo programa de privatização em que o setor público transfira ao setor privado empresas que, no mundo moderno, não fazem o menor sentido em continuar nas mãos do governo. Esse assunto precisa voltar à pauta das prioridades nacionais.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.