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Editorial 1

A indústria do medo

Acuada pela violência, a cidade é vítima também da indústria do medo. A primeira reação é estar alerta – em todos os sentidos –, até para não meter os pés pelas mãos. Sabe-se que, onde a ação do Estado é falha, as malhas do poder paralelo tendem a florescer ou perdurar. Isso não autoriza, porém, a inversão de papéis.

Mesmo diante da violência que se constata diariamente nas grandes cidades brasileiras, é preciso não perder o discernimento. O cidadão pode – e deve – cobrar políticas de segurança pública do Estado. Afinal, a saída não é individual, mas sim coletiva, ou formaremos novos guetos, a sementeira da violência.

Isso nos remete a uma reunião na Câmara Municipal de Curitiba. Um projeto de lei em elaboração pretende impor a casas noturnas, bares, shoppings e similares a exigência de que só contratem vigilantes licenciados pela Polícia Federal, como se sabe, a autoridade a quem compete controlar e fiscalizar a atividade de segurança particular no país.

E, com as discussões preliminares, na Comissão de Urbanismo e Obras Públicas, com a participação do Sindicato dos Vigilantes de Curitiba e Região (Sindivigilantes), constata-se o óbvio, a precariedade de determinados serviços públicos. No caso dos vigilantes, pelas normas estabelecidas, só pode – ou deveria – atuar pessoal formado por academias licenciadas. Quando isso não ocorre, o serviço é enquadrado como clandestino. Duplo risco. A realidade mostra que funcionários que ainda não concluíram os cursos já estão na ativa, como se já fossem profissionais plenamente habilitados.

A proposta em elaboração na Câmara teve, no entanto, a discussão adiada, devendo entrar na pauta em dezembro. Isso porque pretende incluir um plano de segurança para estabelecimentos públicos que tiverem capacidade para mais de 200 pessoas. No caso de serviço irregular ou clandestino, já se prevê uma multa de R$ 1,5 mil, aumentando para R$ 3 mil em caso de reincidência.

Antes de, açodadamente, se definir penalidades e quais estabelecimentos deverão ficar sob o guarda-chuva do plano, é preciso fazer duas ponderações. A segurança continua um dever do Estado. E, antes de contratar serviços de vigilância em massa, é preciso sanear o setor, sabidamente inflado de empresas irregulares e até fantasmas. A Associação Brasileira de Casas Noturnas (Abrabar) reconhece isso, e diz que todos os estabelecimentos filiados recebem alertas sobre a importância de contratações dentro da legislação específica.

Mas, como Gazeta do Povo constatou, de 20 casas noturnas da capital contatadas pela reportagem do jornal apenas três tiveram condição de fornecer o nome da empresa de segurança da qual têm serviço. Ou seja, há muito o que se fazer ainda em termos de conscientização.

A vigilância, mesmo a teoricamente sob controle, tem demonstrado falhas gritantes. Basta ver os casos que resultaram em morte e que tiveram como agentes quem, supostamente, deveria estar bem preparado para atuar na área de segurança pessoal e patrimonial, como auxiliares das autoridades policiais. Assim, antes de se ampliar o leque de atuação das companhias particulares, como pretende o projeto de lei municipal, é preciso, ou mais do que isso, é imperioso, que se resolva o problema do esquema clandestino de vigilância. Sem isso, quem procura a justa, necessária e merecida tranqüilidade pode estar se rendendo de vez à indústria do medo, com novos encargos e riscos.

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