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O terror do fundamentalismo islâmico atingiu a França pela segunda vez em um ano. Em janeiro, atiradores ligados ao grupo Al-Qaeda na Península Arábica tinham invadido a sede do jornal satírico Charlie Hebdo em Paris e mataram 11 pessoas, entre cartunistas e alvos ditos “de oportunidade”, como um funcionário do prédio onde funciona a publicação. Mas, se naquela ocasião o alvo era específico – um jornal célebre por suas charges que ironizavam Maomé, entre outras personagens –, a ação da sexta-feira passada, com ataques simultâneos em vários pontos de Paris que mataram 129 pessoas até o momento, foi generalizada, sem nenhuma outra motivação ou critério que não fosse o terror puro e simples.

A ação é vista como uma guinada na estratégia do Estado Islâmico, que reivindicou os atentados. Até pouco tempo atrás, o grupo vinha priorizando a conquista de território e a ampliação de seu “califado”, principalmente no Iraque e na Síria. Mas, dias antes dos ataques em Paris, o EI já tinha reivindicado a explosão de um avião de passageiros russo sobre a Península do Sinai e explosões em Beirute, no Líbano. As ações têm sido vistas como retaliações dos jihadistas aos ataques aéreos conduzidos tanto por franceses quanto por russos.

O Ocidente demorou demais para abrir os olhos ao perigo representado pelo Estado Islâmico. Desde o primeiro semestre de 2014 o grupo vinha perseguindo sistematicamente cristãos e outros muçulmanos, especialmente no norte do Iraque. Centenas de milhares de pessoas tiveram de deixar suas casas enquanto a única força militar a se opor aos jihadistas eram as milícias curdas. Essa tragédia se desenrolou por meses sem nenhuma reação das potências ocidentais; apenas quando o EI divulgou o vídeo da decapitação do jornalista norte-americano James Foley, em agosto de 2014, a comunidade internacional passou a prestar mais atenção ao que ocorria nas áreas dominadas pelos extremistas. Só então uma coalizão internacional iniciou ataques aéreos contra o EI, sem esperar pela autorização do Conselho de Segurança da ONU, entidade que não foi suficientemente ágil para lidar com o drama daqueles que viviam sob o jugo do Estado Islâmico.

O Ocidente demorou demais para abrir os olhos ao perigo representado pelo Estado Islâmico

A ação militar precisa continuar, especialmente quando se sabe que os ataques aéreos vinham minando lentamente o Estado Islâmico. O principal desafio é conter as fontes de financiamento do grupo. Os serviços de inteligência iraquiano e norte-americano estimam que o EI consiga até US$ 50 milhões mensais com a venda do petróleo produzido nos territórios sob seu domínio na Síria e no Iraque. A commodity é vendida a contrabandistas por preços abaixo das cotações do mercado internacional, e esse dinheiro é que permite aos jihadistas continuar se armando e reconstruir a infraestrutura de cidades destruídas pelo conflito. Essa situação exige esforço coordenado tanto das potências ocidentais responsáveis pelos ataques aéreos quanto dos países da região, que têm a possibilidade de, em terra, combater o contrabando.

Manter e intensificar o combate nas áreas dominadas pelo Estado Islâmico, no entanto, não é a única frente imediata de ação. Os serviços de inteligência ocidentais têm se preocupado com a formidável máquina de propaganda jihadista, que seduz jovens em vários países europeus, levando-os a se juntar ao EI – alguns casos se tornaram célebres, como o das duas adolescentes que fugiram de lares de classe média em Viena, na Áustria. A notícia de que pelo menos alguns dos terroristas de Paris eram cidadãos franceses e já eram conhecidos das autoridades do país evidencia a necessidade de incrementar o trabalho de inteligência.

Apesar das dificuldades evidentes no combate a um inimigo como o Estado Islâmico, é perfeitamente possível crer que ele pode ser vencido, especialmente se houver um maior entendimento entre as potências envolvidas – o que inclui a Rússia, cujo apoio ao ditador sírio Bashar Assad a distancia das nações ocidentais – e os países do Oriente Médio. A luta contra o extremismo, no entanto, não deve se dar apenas no campo militar, mas também do ponto de vista intelectual, religioso e ideológico, com o enfraquecimento das vertentes jihadistas dentro do islamismo e a promoção de valores alternativos aos do poder gerado pela violência – tarefa na qual o Ocidente, infelizmente, tem falhado.

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