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Uma crise humanitária de grandes proporções está atingindo o norte do Iraque, sem que a comunidade internacional dê a ela a devida atenção. Desde que o grupo Estado Islâmico (EI) proclamou um califado na área que está sob seu controle, e que cobre não apenas partes do Iraque, mas também o leste da Síria, os sunitas que integram o EI vêm sistematicamente perseguindo e eliminando membros de outras minorias religiosas – inclusive outros muçulmanos, como os xiitas. Os cristãos têm sido a comunidade mais atingida.

Mossul, a segunda maior cidade iraquiana, registrava a presença de cristãos desde o século 1.º d.C. e foi tomada pelo Estado Islâmico em 10 de junho. Logo após a invasão dos militantes islâmicos, os cristãos receberam comunicados informando que eles deviam se converter ao Islamismo ou pagar a jizya, uma espécie de "imposto de infiéis" que supostamente garantiria sua proteção. A outra opção seria a "morte pela espada". As casas dos cristãos foram marcadas com a letra árabe "nun", o equivalente ao "n" latino – e inicial da palavra "nazarenos". Depois disso, não apenas dezenas de milhares de cristãos, mas também muitos muçulmanos xiitas, deixaram a cidade, e ainda assim os bens que conseguiam carregar eram roubados pelo EI durante a fuga. Um professor muçulmano da Universidade de Mossul, que se manifestou contrário à perseguição religiosa, foi morto pelos extremistas. Mosteiros e igrejas que datavam dos primeiros séculos da era cristã foram destruídos.

O destino dos fugitivos vem sendo o Curdistão ou aldeias na região da antiga Assíria, mas a resistência curda não tem sido suficiente para deter o avanço do Estado Islâmico. Na quarta-feira, Qaraqosh (a maior cidade cristã do Iraque), Qaramless, Bartala, Tell Keff e Ba’ashika foram tomadas pelo EI, provocando outra fuga em massa de cristãos e demais minorias religiosas, desta vez na direção de Erbil – cidade que já registra batalhas entre jihadistas e a defesa curda. Outros fugitivos estão cercados, sem água nem mantimentos. Segundo relatos, os extremistas executaram 1,5 mil homens diante das famílias, violentaram e sequestraram mulheres e garotas – o desrespeito às mulheres também é característico dos jihadistas; a mutilação genital é regra nas áreas governadas pelo Estado Islâmico – e estariam inclusive decapitando crianças, segundo um líder cristão local.

Por mais que essa crise humanitária esteja se desenrolando desde junho, apenas nos últimos dias a imprensa e a comunidade internacional passaram a dar mais atenção ao sofrimento das minorias religiosas sob a dominação do Estado Islâmico. A ajuda humanitária internacional é praticamente inexistente; apenas organizações religiosas e líderes do Curdistão têm efetivamente feito algo. Os Estados Unidos ainda estão apenas considerando a possibilidade de trazer mantimentos usando aviões. O Conselho de Segurança da ONU, que tinha emitido uma nota em 22 de julho, apenas ontem promoveu uma reunião especial para debater a questão, a pedido da França.

Por décadas, o Iraque foi um dos raros países de maioria islâmica que garantia aos cristãos a mesma liberdade religiosa de que gozam os muçulmanos em nações de tradição cristã. O caos que se seguiu à ocupação norte-americana permitiu o fortalecimento de vertentes islâmicas fundamentalistas – o Estado Islâmico é considerado violento demais até mesmo pelos terroristas da Al-Qaeda – que não estão hesitando em varrer do Iraque e do leste da Síria quaisquer vestígios de manifestações religiosas que não sejam o jihadismo sunita que professam. É uma tragédia para a qual o mundo demorou a acordar. Para muitos cristãos e membros de outras minorias religiosas que foram mortos ou perderam suas famílias, já é tarde demais. Os sobreviventes não podem se tornar vítimas da combinação entre extremismo e omissão.

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