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Editorial

Ainda há tempo

Estamos chegando a um ponto de inflexão na trajetória política brasileira, em que a sociedade, depois da ênfase social, cobra do governo antes de tudo desempenho. O setor público pode realizar o gasto social que deu o tom nas últimas eleições gerais, mas também precisa apresentar o investimento público fundamental para melhorar a infra-estrutura e; para isso precisa cortar no gasto de custeio – já que a carga tributária de 36% é incompatível com a capacidade de sustentação da economia.

Por não compreender essa realidade das complexas relações contemporâneas, o governo enfrenta a maré baixa da queda de confiança que, iniciando-se pela região Centro-Sul, poderá se espalhar por todo o país. A tese foi apresentada aos brasileiros por Golbery do Couto e Silva, um dos ideólogos do regime autoritário de 1964-1985: a História, do Brasil e de outras nações, repete ciclos políticos de sístole e diástole, em que a um período de fechamento do regime se sucede outro de abertura; a uma fase de mobilização se sucede outra de acomodação, e assim sucessivamente.

Após a euforia com a subida de um operário ao poder os tempos mudaram: hoje o debate público é tomado por discussões sobre ineficiência e corrupção nas esferas de governo. Num primeiro momento, o governo deu as costas à crise aérea, com porta-vozes oficiosos anunciando se tratar de problema da classe média, que é quem "anda de avião". Depois, confrontado com a gravidade da questão, improvisou soluções superficiais que resultaram no desastre de Congonhas. Em seguida, se afastou do epicentro, preferindo agendar viagens por regiões amigáveis do Nordeste em vez de cumprir roteiros no Centro-Sul, onde a população é mais crítica quanto ao seu desempenho no poder.

Ainda há tempo para reverter a erosão de credibilidade, bastando olhar o país com a virtude que Maquiavel recomendava ao Príncipe. Lula e seu grupamento político ainda têm chance de exercitar uma linha de esquerda efetivamente pragmática, em vez de insistir no viés doutrinário de conteúdo ideológico que caracterizou a fase anterior – evidenciada, na política externa por alinhamentos ideológicos que acabam de levar ao fracasso das negociações comerciais da OMC e, no cenário interno, pelo caos do apagão aéreo. Esse "aggiornamento" do pensamento político na cúpula governamental passa pela compreensão de que agências reguladoras – combatidas pelo governo até serem desossadas ou preenchidas por rateio partidário, como ocorreu na Anac – precisam ser entendidas como instrumento de gestão descentralizada.

É preciso, ainda, que o governo compreenda que essas agências não podem ser usadas para barganha política. Têm, antes, de ficar sob o comando de pessoal técnico preparado. A meritocracia tem de prevalecer sobre os critérios políticos.

Do mesmo modo, em vez da satanização feita durante a campanha, a privatização de empresas e de setores estatais ineficientes tem de ser vista como um mecanismo moderno de coordenação gerencial. A lição serve para o governo central e para os dirigentes do Brasil afora que, surgidos do período autoritário, ainda não se puseram em dia com a atualidade mundial.

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