
Uma semana depois de as tarifas impostas por Donald Trump aos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos entrarem em vigor, o presidente Lula assinou uma medida provisória com um pacote de ajuda às empresas atingidas pelo tarifaço. O programa foi embalado com o nome marqueteiro de “Brasil Soberano” e está repleto de medidas que, embora tenham acolhido sugestões do empresariado, são meros paliativos que não resolverão os problemas reais que afligem nosso comércio exterior; a recepção mais negativa, no entanto, não veio pelo conteúdo das medidas em si, mas pela repetição de um velho truque fiscal bastante adotado nos últimos anos.
As empresas exportadoras que perderão subitamente uma fatia considerável de seu mercado graças ao tarifaço terão acesso a uma linha de crédito de R$ 30 bilhões, ganharão um prazo adicional para o pagamento de impostos e receberão de volta parte dos impostos pagos ao longo da cadeia produtiva, em uma antecipação dos efeitos da reforma tributária. Itens perecíveis que já não serão enviados aos Estados Unidos poderão ser adquiridos pelos governos federal, estaduais e municipais para uso em serviços como merenda escolar e hospitais. A prioridade na ajuda será dada a pequenos exportadores, empresas de alimentos perecíveis e de máquinas.
O governo pode até conseguir um déficit primário “oficial” de 0,25% do PIB, mas os gastos fora dessa contabilidade serão tantos que o déficit primário real será muito maior
As medidas têm lá sua lógica, mas são uma ajuda pontual – embora sempre haja o risco de lobbies empresariais as transformarem em programas permanentes, como já aconteceu em tantas outras ocasiões. Mesmo assim, elas não contribuem para atacar os problemas que deixam o produto nacional menos competitivo no exterior: a carga tributária escorchante, a baixa produtividade do trabalhador brasileiro, o intenso protecionismo da economia brasileira, a infraestrutura de transporte deficiente. Nem mesmo o problema imediato de fundo está sendo alvo de esforços do governo, que não se empenha em abrir canais de negociação com Washington para reverter o tarifaço. Pelo contrário: Lula voltou a criticar Trump no anúncio do pacote, indicando que continuará seguindo o manual do bom populista, que usa “inimigos externos” para ter alguém a quem culpar pelos próprios erros na condução da economia.
E, como já fez em várias outras ocasiões, como o socorro ao Rio Grande do Sul e a devolução dos valores roubados dos aposentados do INSS, o governo aproveitou a ocasião para abrir mais um rombo no arcabouço fiscal que ele mesmo propôs em 2023. Ao contrário do que havia prometido o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a MP do Brasil Soberano determina que R$ 9,5 bilhões – R$ 5 bilhões de renúncias fiscais do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários e R$ 4,5 bilhões dos fundos garantidores para financiamento – não serão considerados na conta da meta fiscal de 2025, que é de resultado primário zerado, com tolerância de 0,25 ponto porcentual do PIB (o equivalente a cerca de R$ 30 bilhões) para cima ou para baixo.
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Esse tipo de gambiarra fiscal – ainda que avalizada pelo Congresso, ao contrário das “pedaladas” que custaram o mandato de Dilma Rousseff – comprova que Lula e Haddad já desvirtuaram completamente o sentido das bandas de tolerância. Elas existem justamente para acomodar situações extraordinárias como estas, enquanto se persegue a meta propriamente dita. Mas, no terraplanismo econômico petista, o limite inferior da banda se tornou o verdadeiro objetivo a perseguir e, como nem isso será facilmente atingido por um governo gastador, qualquer solavanco exige que se retire novas despesas da conta, para não haver risco de descumprimento da meta. Se, ainda por cima, lembrarmos que a meta original para 2025 quando da aprovação do arcabouço era de superávit primário de 0,5% do PIB, reduzida para zero no início de 2024, fica completo o retrato da incompetência petista.
No fim, como o papel aceita tudo, o governo pode até conseguir um déficit primário “oficial” de 0,25% do PIB, mas os gastos fora dessa contabilidade serão tantos que o déficit primário real será muito maior, e isso os agentes econômicos não ignoram. O resultado é óbvio: a desmoralização da âncora fiscal brasileira, de cuja credibilidade depende muita coisa, da atração de investimentos à trajetória da taxa de juros. Entre perseguir com afinco e seriedade uma meta fiscal já bastante medíocre, e maquiar os números para dar a entender que as contas estão em ordem, Lula e Haddad escolheram a segunda opção, que definitivamente custará muito mais caro ao país.



