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Editorial

Alfie Evans e a repetição da tragédia

O caso de Alfie é mais uma demonstração do cúmulo a que pode chegar um sistema jurídico que não coloca em primeiro lugar a dignidade humana.

 | Facebook/Alfie’s Army Official
(Foto: Facebook/Alfie’s Army Official)

Na segunda-feira, 23 de abril, enquanto o Reino Unido celebrava o nascimento de um novo bebê real, filho da duquesa Kate Middleton e do príncipe William, começava a fase mais aguda do drama de uma outra mãe britânica chamada Kate: seu filho, Alfie Evans, de quase 2 anos, teve seu aparelho de respiração artificial desligado por recomendação médica e ordem judicial, no hospital Alder Hey, em Liverpool. Estamos, aqui, diante de mais uma demonstração do cúmulo a que pode chegar um sistema jurídico que não coloca em primeiro lugar a dignidade humana.

O caso de Alfie é, em muitos aspectos, semelhante ao de Charlie Gard, bebê eliminado em 2017 após uma duríssima batalha judicial travada pelos pais do menino contra a equipe médica que decidiu que o melhor para a criança era morrer, e foi apoiada nisso pela Justiça. Em dezembro de 2016, antes de completar um ano de vida, Alfie foi internado no Alder Hey com uma infecção pulmonar, e sua respiração passou a ser mantida com aparelhos. A infecção foi debelada, mas retornou, obrigando o hospital a manter a ventilação artificial. Um ano depois, em dezembro de 2017 – cinco meses depois da morte de Charlie Gard –, a equipe médica do hospital decidiu que não havia mais nada a fazer e pediu à Justiça para poder desligar os equipamentos que mantinham Alfie vivo.

A cada dia em que médicos e juízes não cuidam e não deixam que ninguém cuide de Alfie, suas chances diminuem

Kate James e Tom Evans, os pais de Alfie, demonstraram a mesma tenacidade que os pais de Charlie, esbarrando na mesma insensibilidade em todas as instâncias da Justiça britânica, que recusou todos os apelos e recursos da família, sempre dando ganho de causa ao hospital e determinando que Alfie não poderia deixar o Alder Hey nem mesmo para morrer em casa – na prática, fazendo do hospital um cárcere e um patíbulo. Também neste caso o hospital romano Bambino Gesù se ofereceu para receber o bebê e buscar um tratamento, já que os médicos britânicos nem sequer sabem exatamente que doença acomete Alfie; há a suspeita de uma doença neurodegenerativa, mas não existe diagnóstico definitivo, o que torna controversa a afirmação de que não há mais saída para Alfie. Tom e Kate, aliás, temendo que o filho tivesse o mesmo fim cruel de Charlie, já tinham a intenção de levá-lo para a Itália antes que o Alder Hey buscasse a Justiça.

Nem mesmo os apelos mais diretos do papa Francisco – que recebeu Tom Evans no Vaticano – e a concessão de cidadania italiana a Alfie demoveram os médicos do Alder Hey e a Justiça britânica, que emitiu a ordem para que os aparelhos fossem desligados em 23 de abril. Os médicos garantiam que Alfie morreria em questão de minutos, mas o bebê passou nove horas respirando sozinho antes de receber um inalador e hidratação, e continua assim até o momento da publicação deste texto. Há aeronaves prontas para levar Alfie para a Itália, mas o máximo que a Justiça britânica fez até o momento foi sugerir que o hospital deixe Tom e Kate levarem Alfie para sua casa, mas a transferência internacional continua proibida.

Nossas convicções: O alcance da noção de dignidade da pessoa humana

Leia também:  Alfie Evans e o desejo de matar de juízes e médicos (artigo de Tommaso Scandroglio, publicado em 22 de abril de 2018)

Leia também: Charlie Gard e a violação dos direitos dos pais (editorial de 26 de julho de 2017)

Todo o caso envolveu, desde o princípio, a grave violação de direitos básicos dos pais, como o de escolher o melhor tratamento para seu filho. Tom e Kate confiaram no trabalho do Alder Hey e, quando o hospital desistiu de tratar Alfie e manifestou que era preferível vê-lo morrer, eles continuaram a procurar alternativas, e as encontraram. Mas não podem colocá-las em prática por uma decisão cruel da Justiça. Ainda por cima, o hospital decidiu violar a liberdade religiosa dos pais ao proibir a entrada do padre italiano Gabriele Brusco, que vinha acompanhando a família no Alder Hey.

No caso de Charlie Gard, o tempo gasto na batalha judicial fechou a janela de oportunidade que o bebê teria para receber uma nova terapia experimental, e só por isso os pais desistiram de continuar a lutar por sua vida e aceitaram o destino inevitável. Para Alfie Evans, essa janela ainda pode estar aberta, a julgar por sua reação após o desligamento da ventilação artificial, mas a tragédia está se repetindo: a cada dia em que médicos e juízes não cuidam e não deixam que ninguém cuide de Alfie, suas chances diminuem. Só um desdém explícito pela dignidade da vida humana explica esse tipo de atitude.

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