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| Foto: Evaristo Sá/AFP

Como se não bastasse a popularidade do discurso de esquerda segundo o qual as estatais são “do povo” (isso enquanto elas são “privatizadas” em benefício do PT e outros partidos políticos), e como se não bastasse a resistência da classe política em geral às privatizações porque elas reduzem a influência política de quem faz as indicações para presidências e diretorias, agora também o Poder Judiciário resolveu impedir que o Estado brasileiro, inchado e ineficiente, perca alguns poucos quilos. Em mais uma interferência do Supremo Tribunal Federal nas competências de outros poderes, o ministro Ricardo Lewandowski, de forma monocrática, concedeu duas liminares no fim de junho decidindo que qualquer privatização ou venda de subsidiárias de estatais tem de ser explicitamente aprovada pelo Congresso.

Em seu artigo 173, a Constituição Federal determina a necessidade da aprovação de uma lei para o surgimento de uma empresa pública – ou seja, o Legislativo autoriza o Executivo a criar a estatal, o que é feito por meio de decreto. Lewandowski partiu desse princípio para concluir que, se para criar uma estatal é preciso que o Congresso aprove um projeto de lei, esse mesmo processo seria necessário para a privatização. Por isso, o ministro derrubou um trecho do artigo 29 da Lei das Estatais, decidindo que “sempre que se cuide de alienar o controle acionário” de uma estatal, o que é o caso da privatização, “a venda de ações de empresas públicas, sociedades de economia mista ou de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa”.

A existência de empresas públicas é a exceção, não a regra

Ocorre que Lewandowski acabou criando, com suas liminares, uma exigência que lei nenhuma, e muito menos a Constituição, estipula – com algumas raríssimas exceções, previstas no artigo 177 da Carta Magna (que trata dos monopólios da União) ou na Lei 9.491/97, que cria o Programa Nacional de Desestatização. É o caso das gigantes Petrobras e Eletrobrás, e por isso mesmo tramita no Congresso um projeto de lei para a privatização desta última. E havia uma razão muito simples para o constituinte não submeter todas as privatizações, ou a venda de subsidiárias de estatais, à aprovação do Legislativo: a existência de empresas públicas é a exceção, não a regra. E isso está escrito no próprio artigo 173 da Constituição, que, em seu caput, afirma que, “ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei”.

Em outras palavras: o normal – e assim quis o constituinte – é que a iniciativa privada fique responsável pela atividade econômica. Quando o poder público atua diretamente, estamos diante de uma situação extraordinária, motivo pelo qual a criação de toda e qualquer estatal exige uma lei. A privatização ou a venda de uma subsidiária significa que o extraordinário está dando lugar ao ordinário, ou seja, trata-se de um retorno à situação normal prescrita pela Constituição. Seria desproporcional condicionar esse processo à aprovação legislativa da mesma forma como ela é exigida quando se trata de instaurar uma situação anormal.

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O alcance das liminares de Lewandowski, que só poderão ser revistas depois que o Supremo voltar do recesso judiciário, não se limita à Companhia Energética do Estado de Alagoas, uma empresa praticamente falida que seria leiloada no fim de julho. Também a Petrobras interrompeu o processo de venda de quatro refinarias e outras duas empresas nas regiões Sul e Nordeste. Na verdade, boa parte do programa de privatizações do governo Temer, que já não era tão abrangente quanto o necessário, agora corre risco. Se cada venda tiver de passar por aprovação legislativa, teremos a multiplicação da resistência observada no caso da Eletrobrás, em que políticos e bancadas que se veem como “donos” das estatais colocarão todo tipo de obstáculo à privatização, exigindo compensações pelos cargos que “perderão” quando já não puderem indicar presidentes, diretores ou gerentes.

E, mesmo que as liminares acabem revertidas, um outro estrago já estará feito. O país já tem certa dificuldade para convencer a iniciativa privada, especialmente a estrangeira, a investir no Brasil. A insegurança jurídica criada por atitudes como a de Lewandowski só ajuda a espantar interessados que, em uma nação mais estável, teriam tudo para contribuir de forma decisiva para um salto de desenvolvimento, especialmente em áreas tão vitais quanto energia e infraestrutura.

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