O Banco Central (BC) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estão com um enorme abacaxi nas mãos: analisar a compra de parte do Banco Master, uma instituição privada conhecida por atrair clientes com promessas de ganhos acima da média do mercado, pelo Banco de Brasília (BRB), uma instituição pública de porte médio, não muito diferente do próprio Master, e administrada pelo governo do Distrito Federal. Em jogo estão as práticas da instituição comprada para ampliar sua carteira, um potencial estrago no Fundo Garantidor de Crédito, e a possibilidade de a população do DF acabar tendo de arcar com as consequências de uma quebra.
A história toda é mais que nebulosa – é bastante suspeita, para dizer o mínimo. A começar pela forma como o Banco Master cresceu: a instituição oferece Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com rentabilidades bastante atrativas, maiores que a de investimentos similares de outros bancos, e o fazia garantindo aos potenciais clientes que estariam a salvo de qualquer problema graças ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC), que cobre perdas de até R$ 250 mil em caso de quebra da instituição financeira. O FGC foi criado nos anos 90, como parte do saneamento do sistema bancário brasileiro pós-Plano Real, e conta com aportes dos próprios bancos. Ocorre, no entanto, que, se o Master quebrar, os ressarcimentos aos clientes engoliriam quase metade de todo o FGC – e, se não quebrar, inevitavelmente terá de vender ativos para honrar os CDBs.
As circunstâncias da compra do Master pelo BRB nos deixam muito próximos de concluir pela existência de algum tipo de interferência política na transação
Além disso, o Master investiu pesadamente na compra de precatórios, com uma carteira de R$ 7 bilhões, quase todos correspondentes a precatórios federais. O risco de calote ou de esses pagamentos demorarem longos anos é real – é por isso que os detentores originais dos precatórios os acabam vendendo por um valor menor que o nominal. Por mais que o BRB alegue estar comprando apenas a parte “boa” do banco, deixando a parte “ruim” à espera de uma outra solução – algo que nem de longe se pode dar por certo, e que os especialistas do BC terão de atestar –, todos esses elementos não deixam de causar preocupação, e mostram que é preciso aperfeiçoar alguns mecanismos para impedir que uma instituição média “sequestre” o FGC como ocorre agora.
Da parte do BRB – uma das poucas instituições que resistiu a uma outra medida saneadora dos anos 90, a privatização de bancos estaduais –, pairam muitas suspeitas sobre como a aquisição pode atender aos interesses da população do Distrito Federal, mas detalhes específicos também chamam a atenção. Curiosamente, o BRB está pagando R$ 2 bilhões, mas abriu mão do controle acionário, que permanecerá com o atual dono, Daniel Vorcaro. Além disso, o comitê de auditoria do BRB sofreu alterações às vésperas da reunião do Conselho de Administração do banco estatal que aprovou a aquisição. É o tipo de situação que nos deixa muito próximos de concluir pela existência de algum tipo de interferência política na transação – exatamente o tipo de problema que foi um dos motivos para a venda de bancos estaduais, 30 anos atrás.
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Como cereja do bolo, o jornal O Globo revelou, dias atrás, que o Banco Master contratou, para representá-lo judicialmente, o escritório Barci de Moraes – da mulher do ministro do STF Alexandre de Moraes, e onde trabalham dois dos filhos do casal. Ainda que a aquisição em si não esteja passando pelo Supremo (ao menos até o momento), há assuntos de interesse do banco que poderiam chegar à suprema corte, como o pagamento de precatórios. Depois que os ministros decidiram derrubar o trecho do Código de Processo Civil que impedia juízes de julgarem processos “em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”, difícil acreditar que o Master tenha escolhido o escritório da mulher de Moraes única e exclusivamente por sua expertise jurídica – e a suspeita se torna ainda mais legítima à luz de decisões recentes de Dias Toffoli beneficiando a J&F, empresa para a qual sua mulher advoga.
O risco para o FGC e a possibilidade de ingerência política em decisões que deveriam ser técnicas tornam imprescindível que a análise do BC e do Cade seja a mais criteriosa possível, com total transparência e publicidade. Com o BRB, um banco público, assumindo parte de um banco privado cujas práticas são bastante agressivas – e arriscadas na mesma proporção –, os potenciais problemas são grandes demais para serem relativizados, e a transação toda é suspeita demais para ser tratada como uma mera decisão de negócios.



