O clima esquentou no Supremo Tribunal Federal (STF). No último dia 22 de abril, os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa protagonizaram um episódio que, certamente, seria totalmente dispensável na história daquela Corte.
De Gilmar para Joaquim: "Vossa Excelência não tem condição de dar lição em ninguém aqui". E de Joaquim para Gilmar: "E nem Vossa Excelência". "Vossa Excelência não está falando com seus capangas de Mato Grosso". Não fossem os pronomes de tratamento, poderíamos crer que tal diálogo teria ocorrido em alguma mesa de bar, entre um Gilmar e um Joaquim, cidadãos comuns. Mas não. Tais frases foram lançadas no plenário do Supremo Tribunal Federal, por dois de seus ministros.
O constrangimento foi enorme e, com acerto, o ministro Marco Aurélio sugeriu o imediato encerramento da sessão, o que, de fato, acabou ocorrendo. Depois disso, os demais ministros presentes à sessão divulgaram nota de apoio ao ministro Gilmar Mendes e a sessão de 23 de abril foi, por cautela, cancelada.
Está-se diante de uma crise institucional? Alguns dizem que sim; outros dizem que não. Só o tempo dirá. O que é evidente, desde logo, é a absoluta incompatibilidade do comportamento dos dois ministros. Em frases, expressões ou reações, ambos se excederam. E, mais uma vez, infelizmente, a conduta reprovável partiu justamente de pessoas que, ocupando funções relevantíssimas neste país, deveriam dar exemplo e servir de modelo.
Mas deixando de lado os erros, os excessos e até mesmo as insinuações e dúvidas surgidas (quem seriam, afinal, os tais capangas de Mato Grosso?), é importante destacar que o desdobramento do ocorrido pode ser ainda mais desastroso. Isso porque, em declarações à imprensa, o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) questionou a transmissão ao vivo das sessões de julgamento do STF, sob os seguintes argumentos: "O incidente não é bom para a instituição. Temos uma democracia jovem e ainda muito que aprender. Temos exemplos como a sociedade norte-americana e a alemã que não transmitem ao vivo as sessões de suas cortes máximas. Acho que às vezes as coisas precisam ser lidas e ouvidas na frieza dos fatos e não no calor da transmissão ao vivo".
Pois bem. Não há como discordar da afirmação de que a democracia brasileira é realmente jovem e de que há ainda muito a se aprender. Todavia, o que não se pode fazer é desaprender. Não há como se corrigir um erro (o comportamento inadequado de ministros do STF) com outro erro (a interrupção das transmissões dos julgamentos), na ingênua ilusão de que dois erros poderiam redundar, como mágica, em um acerto.
Na República Federativa do Brasil, por expressa previsão constitucional, reconhece-se como algo fundamental o direito à informação. E se reconhece isso justamente como pressuposto para a manutenção ou, melhor dizendo, para a busca de um efetivo Estado Democrático de Direito. Nesse passo, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 93, XI, estabelece que "todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação".
Como se vê, portanto, a transmissão das sessões de julgamento do STF nada mais é do que concretização do texto constitucional, abrindo a possibilidade de que cidadãos brasileiros, do Oiapoque ao Chuí, acompanhem o que ocorre e o que se discute no principal tribunal deste país. Alterar isso seria um absurdo retrocesso, que prejudicaria e atrasaria ainda mais o aprendizado democrático que a sociedade brasileira tem experimentado.



