Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Editorial

Bolsonaro e o crédito pelo esforço de vacinação

Jair Bolsonaro, presidente da República.
Jair Bolsonaro, presidente da República. (Foto: Alan Santos/Presidência da República)

Ouça este conteúdo

Em pronunciamento feito em cadeia nacional de rádio e televisão na última quarta-feira, 2 de junho, o presidente Jair Bolsonaro celebrou uma série de feitos recentes, como os números da geração de emprego formal, leilões de infraestrutura e projetos recentemente aprovados no Congresso. A primeira parte do pronunciamento, no entanto, foi reservada para as medidas de combate à pandemia de Covid-19. O presidente comemorou “a marca de 100 milhões de doses de vacinas distribuídas a estados e municípios”, afirmou que “o Brasil é o quarto país que mais vacina no planeta” e prometeu que “neste ano, todos os brasileiros que assim o desejarem serão vacinados”.

Sim, é preciso celebrar novidades como o acordo para a produção local de matérias-primas para a vacina, também citado por Bolsonaro e que efetivamente colocará o Brasil em um grupo do qual só fazem parte outras quatro nações. Também é verdade que o país está na quarta colocação em aplicação de vacinas, embora seja preciso matizar essa afirmação lembrando que, em termos proporcionais, de porcentagem da população imunizada, o Brasil cai muito no ranking, pois apenas 10% dos brasileiros já receberam a segunda dose do imunizante, muito abaixo do necessário para controlar a pandemia.

Há todo um conjunto da obra atestando que Bolsonaro se recusou a enxergar a vacina como estratégia primária no controle da pandemia

O problema, aqui, não está no que o presidente afirmou, mas também no que ele deveria ter dito, mas ainda não disse – seja no pronunciamento, seja em qualquer outra oportunidade em que falou sobre as vacinas. Bolsonaro foi ao longo de boa parte do ano passado um crítico contumaz das vacinas. Ninguém o negaria, nem mesmo seus defensores mais incondicionais, até porque há muitos registros de manifestações suas nesse sentido. Só para dar um exemplo, o presidente foi muito além de uma discordância a respeito dos termos do contrato da Pfizer (inicialmente recusados, mas depois aceitos pelo governo brasileiro) ao afirmar que ela transformaria as pessoas em jacaré – um exagero retórico, evidentemente, mas que alimentava teorias da conspiração a respeito de possibilidades de alteração genética nos vacinados, devido à técnica empregada na vacina, a de RNA mensageiro. Ao comentar a morte de um voluntário da vacina Coronavac, o presidente chegou a afirmar, nas mídias sociais, “mais uma que Jair Bolsonaro ganha”. Em conversa com o filho Eduardo e publicada no canal do deputado federal, em dezembro de 2020, o presidente afirmou que “a pressa da vacina não se justifica”.

Todas essas afirmações estão amplamente documentadas, e não há como alegar que foram tiradas de contexto. Há todo um conjunto da obra atestando que Bolsonaro se recusou a enxergar a vacina como estratégia primária no controle da pandemia – contrariando até mesmo ministros de seu governo, como Paulo Guedes. Tal aversão à prioridade da vacinação levou a episódios surreais, como aquele em que o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Casa Civil, afirmou ter se vacinado às escondidas durante uma reunião com outros ministros e autoridades. O próprio Bolsonaro, ao contrário de inúmeras outras autoridades mundo afora, não se vacinou ainda, mesmo consciente de que tal atitude serviria de exemplo para muitos de seus apoiadores.

VEJA TAMBÉM:

Diante dessa realidade, de um posicionamento inicial claramente contrário à vacinação, ou pelo menos avesso a considerá-la uma política pública absolutamente prioritária, qual seria a atitude de um homem de valor que eventualmente tivesse mudado de ideia? Seria, parece muito evidente, reconhecer que houve, sim, uma mudança de percepção: que antes pensava de um jeito, e que agora pensa de outro. Alguém poderia argumentar que essa atitude, sem dúvida nenhuma a mais correta, não seria possível neste momento em virtude da sanha de seus opositores, que esperam qualquer passo em falso para levar adiante seus propósitos de enfraquecê-lo eleitoralmente ou até de avançar com a ideia do impeachment. Ainda que esse fosse o caso, não parece que a melhor defesa seja negar o que está amplamente documentado; tampouco é aceitável apostar na falta de memória do brasileiro – uma prática mais que corriqueira no meio político nacional. Mais ainda: se a consequência de um posicionamento inicialmente equivocado é a de ser responsabilizado por ele, o que um homem de bem faz é assumir essas consequências, por mais duras que sejam.

Não é moralmente sadio, nem muito menos nobre, que Bolsonaro pretenda levar o crédito, agora, por um esforço de vacinação que começou em grande parte apesar dele, e não graças a ele. E não se deveria esperar outra atitude do presidente que a de afirmar publicamente que estava errado sobre a vacina, e que mudou de opinião – caso realmente tenha mudado de opinião. Admitir o erro e emendá-lo seria uma demonstração de hombridade e de caráter – esta, sim, disposição rara no meio político nacional.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.