Não é apenas nas discussões em torno da reforma ministerial que as qualificações técnicas dos indicados a determinados cargos estão sendo sumariamente ignoradas. Enquanto partidos do Centrão já indicaram os nomes de futuros ministros antes mesmo de saber que pastas eles teriam, mostrando que conhecimento prévio da área a gerenciar não é requisito essencial, os conselhos de administração de empresas privadas em que o governo tem alguma participação também estão sendo usados para premiar aliados políticos cujo único mérito é, justamente, serem aliados políticos.
A não ser que Carlos Lupi, ministro da Previdência, e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, tenham algum conhecimento profundo – tão profundo a ponto de ser totalmente ignorado pela sociedade – a respeito de metalurgia, a única explicação possível para que eles integrem o Conselho de Administração da Tupy, metalúrgica multinacional privada, é um misto de aparelhamento político e complementação de renda. Os dois foram indicados pelo BNDESPar, o braço de investimentos do BNDES, que detém 28,2% das ações da empresa. Lupi e Anielle substituirão funcionários de carreira do BNDES que, além de capacidade técnica, haviam acabado de ser indicados, em abril, e tinham mandato até 2025, mas renunciaram aos seus postos inexplicavelmente ma non troppo. Os dois ministros, que já recebem salário de R$ 41,6 mil, embolsarão mais R$ 36 mil a R$ 53 mil mensais na Tupy – o valor exato depende de sua participação em comitês, além da reunião mensal do Conselho de Administração.
A presença de ministros em conselhos de administração de empresas estatais já é um absurdo, mas estender esse mau hábito às empresas privadas é um verdadeiro escândalo
O BNDESPar, considerando todas as suas participações acionárias em empresas privadas, tem direito a indicar 34 conselheiros em 27 companhias, e não é a única porta de entrada em conselhos de administração. Os fundos de pensão do Banco do Brasil (Previ) e Petrobras (Petros) também são pesos-pesados com capacidade de indicar conselheiros e, segundo informações de bastidores, o governo se prepara para emplacar aliados nas instâncias decisórias de outras empresas privadas ou privatizadas como Vale, Eletrobras e JBS. As oportunidades ficarão ainda maiores se o plenário do Supremo efetivamente derrubar o trecho da Lei das Estatais que proíbe a indicação, para os conselhos de administração, de ministros, secretários, detentores de mandato eletivo e dirigentes partidários ou sindicais. Uma liminar do então ministro Ricardo Lewandowski suspendeu essas vedações, mas o julgamento em plenário está paralisado desde março. Enquanto a liminar segue em vigor, Lula já aproveitou para colocar no Conselho de Administração da Itaipu Binacional a secretária de Finanças do PT, Gleide Andrade, e os ministros Fernando Haddad, Rui Costa, Alexandre Silveira, Esther Dweck e Mauro Vieira.
A presença de ministros em conselhos de empresas estatais já é um absurdo – e é significativo que, ao longo de todo o tempo em que vigorou a proibição imposta pela Lei das Estatais, nenhuma empresa pública tenha sido prejudicada por se ver privada de autoridades do primeiro escalão do Poder Executivo em seus conselhos de administração. Mas estender esse mau hábito às empresas privadas é um verdadeiro escândalo. O cargo de ministro, por si só, já é bastante exigente para que as atenções tenham de ser compartilhadas com outras obrigações, mas este é um problema menor. O governo demonstra seu nítido desprezo por essas instâncias se usa as indicações a que tem direito apenas para engordar o contracheque de alguns favoritos sem a devida qualificação. Sem falar no óbvio conflito de interesses que se instala quando um governo coloca seus membros para tomar decisões em companhias privadas. Eles atuarão a serviço da empresa e de seus acionistas, ou a serviço do Estado?
Nestes tempos em que o ESG se tornou onipresente, o aparelhamento a que o governo pretende submeter os conselhos de administração de empresas privadas nas quais tem direito a cadeira, seja por meio do BNDESPar ou fundos de pensão, é uma desmoralização da boa governança. Não à toa o procedimento sofreu duras críticas de especialistas como o ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Marcelo Trindade e o ex-diretor da CVM Otávio Yazbek. “O BNDES tem a função de promover financiamento que o mercado privado não promove e sua presença nos conselhos deveria servir para forçar uma melhora de governança – e não algo que vai contra a governança da própria empresa”, disse Yazbek ao jornal O Globo. Mas, infelizmente, não é esse tipo de sensatez que haverá de deter uma esquerda convicta de que tudo – do Estado ao setor privado – existe apenas para atender aos interesses de um partido político, seu grande líder e seus aliados.
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