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Editorial 1

Chamem a polícia

A reportagem "Gângster sem risca de giz", de Mauri König, publicada pela Gazeta do Povo no último domingo, foi recebida com um misto de perplexidade e "eu sabia". O trabalho jornalístico oferece um cardápio de histórias contadas por comerciantes da região metropolitana de Curitiba. Infelizmente, nenhum deles fala das alegrias na vida simples e calorosa nas periferias, mas de um cotidiano de extorsão e propinas pagas a contraventores e policiais militares em troca de segurança.

O assunto repercute, tem feito quepes voarem pelos ares e, como de praxe, espera-se que não fique no toque dos repiques. Mas se sabe da lenha que é mudar a cultura de corrupção policial no Brasil. Vem de longa data e a frequência com que é verificada confirma a urgência por mudanças nas políticas de segurança pública. Não falta à Polícia Militar do Paraná homens e mulheres com capacidade e vontade para promover essa reviravolta. O importante é que não os impeçam de fazê-lo, libertando o cidadão de um dos piores jugos – o de sustentar o protetor que age como algoz. Já são horas.

Os dados destacados por König bem poderiam estar estampados nas agendas dos gestores públicos, PMs e civis de alta patente, de modo a não serem esquecidos. Das mais de 600 empresas de segurança privada do estado, menos de 90 são regulares. Um sem-número desses negócios é de propriedade de homens de farda. Não à toa, os rendimentos do setor duplicaram na última década. O total de vigilantes no Paraná, como era de se esperar, já é maior do que o de policiais.

Não raro, os críticos do mercado da violência denunciam a roda da fortuna formada em torno da criminalidade. Chegou-se às raias do absurdo. Mais do que produtos, eficiência e honestidade, há escolas, empresas e até igrejas que garantem, acima de tudo, segurança para seus usuários, no melhor do estilo "a segurança é a alma do negócio". Eram favas contadas que os próprios policiais – mal-pagos e com uma representação social próxima da dos irmãos Metralha – iriam se apropriar desse filão.

Ao fazer da segurança uma mercadoria – e mercadoria paga por meios espúrios – os policiais travestidos de segurança privada nada mais fazem do que colaborar para o aumento da violência que deveriam dirimir. Não é o único problema. A própria população, ao se mostrar conivente com esse jogo, deixa transparecer uma das nossas tragédias sociais: uma boa parcela da população brasileira acredita que o policial pode tudo, que não merece ser punido, que ser violento é da sua natureza. As denúncias publicadas pela Gazeta atestam a enrascada em que se meteram os comerciantes que se decidiram pelos préstimos privados dos policiais. Agora, eles temem voltar atrás. Eis o abismo.

Não é de se espantar. Trata-se de um território perigoso. No último ano, 12 PMs foram expulsos por oferecerem serviços nas horas vagas. E desde 2008, onze morreram enquanto faziam bicos de segurança. A esses números, some-se que cerca de 20% dos homicídios, no Brasil, são praticados por policiais. Nos EUA, não chega a 1,5% dos casos. Não se pode dizer que a solução desses crimes seja uma vitrine de moralidade para a população, o que reforça a imagem algo manca, algo dúbia do policial.

Ora, o grande impasse é que, na última década, descobriu-se muito sobre os elixires antiviolência. Sabe-se por "a + b" que a polícia e a Justiça conseguem reduzir a criminalidade quando reforçam outras forças sociais, como as associações, clubes de mães, igrejas, escolas e núcleos esportivos, entre outros. E que à medida que as instituições democráticas são consolidadas, a violência desce pelo ralo.

O atual estado das coisas em nada colabora para nenhuma dessas verdades – o que é de tirar o sono. Enquanto a polícia estiver em tranças com sua crise de personalidade o mundo segue em desalinho – cresce a privatização da segurança, proliferam as muralhas residenciais e vinga a sociedade arquipélago, onde o preço da paz custa os olhos da cara, bem se sabe.

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