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| Foto: Guillermo Legaria/AFP

Com pompa e circunstância, aval da ONU e apadrinhamento de Cuba e da Santa Sé, a Colômbia e os guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) firmaram, nesta semana, um acordo que pretende encerrar décadas de conflito entre o governo e os narcoterroristas. Assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo chefão guerrilheiro, Rodrigo “Timochenko”, o pacto de respeito mútuo precisará ainda ser referendado por plebiscito neste domingo. Se aprovado pelo voto popular, o acordo fará – esta é a promessa – a Colômbia inaugurar um tempo de paz e concórdia que não vivia havia meio século.

Pairam dúvidas, porém, sobre a eficácia das boas intenções. De um lado, está o Estado, guardião e provedor do bem-estar da sociedade. De outro, uma milícia marxista criada para supostamente combater governos que considerava responsáveis por administrações corruptas e desastrosas. Trata-se de um grupo classificado como terrorista por diversos países e organizações internacionais – a União Europeia só retirou as Farc de sua lista após a assinatura do acordo; os Estados Unidos preferem observar a eventual implementação do documento –, que sequestrou, matou e violentou centenas de milhares de colombianos em um conflito que tirou de suas casas cerca de 8 milhões de pessoas.

Os termos do acordo dividem o país e há opiniões abalizadas de ambos os lados

Os termos do acordo dividem o país e há opiniões abalizadas de ambos os lados. Uma das mais famosas vítimas das Farc, a ex-senadora Ingrid Betancourt, sequestrada em 2008 e mantida em cativeiro por seis anos, é a favor da trégua. A Human Rights Watch, respeitadíssima organização internacional de direitos humanos, considera o texto falho por promover a impunidade. Afinal, os militantes das Farc receberão pensão de quase um salário mínimo local pelos próximos 24 meses, à qual se somará um bônus aos que ajudarem na tarefa de desarmar minas e reconstruir estradas, escolas e hospitais. Os acusados por crimes graves, se os confessarem, terão um julgamento cujas penas não incluem a prisão, e sim trabalhos comunitários alternativos.

Os ex-guerrilheiros ganharão também privilégios políticos, como o direito de criar um partido e disputar eleições já com cinco cadeiras na Câmara e do Senado garantidas nos dois próximos pleitos. Diante disso tudo, é perfeitamente compreensível a posição de quem se coloca contra o acordo por achá-lo leniente – e mesmo colombianos favoráveis à trégua se mostraram, segundo pesquisas de opinião, receosos diante de um ou outro ponto específico da paz acertada na segunda-feira.

Mas não raras vezes um país precisa tomar atitudes como essa para seguir adiante. O próprio Brasil é um exemplo: a Lei da Anistia, em 1979, buscou curar uma sociedade machucada pela tortura dos militares e pelo terrorismo da esquerda para que pudesse promover a redemocratização. Na África do Sul, Nelson Mandela, ao chegar ao poder, enfrentou críticas dos próprios companheiros de luta ao criar a Comissão da Verdade e Reconciliação, que anistiou centenas de agentes do regime do apartheid, apesar de ter recusado a maioria das solicitações.

Diz o ditado que “um mau acordo é melhor que uma boa demanda”. Os colombianos estão diante de uma escolha semelhante. E o momento pede uma oportunidade para a paz. Longe dos bastidores das negociações, é difícil saber se os termos acertados foram os melhores possíveis, ou se os narcoterroristas aceitariam a desmobilização caso as concessões fossem menores. Mas trata-se de uma ação pontual com um objetivo específico, o de encerrar uma guerra longa; não é um convite generalizado à impunidade.

Se a paz realmente vier, mesmo com um mau acordo; se de fato a Colômbia deixar de ser um dos maiores fornecedores mundiais de cocaína e seus derivados; se seus vizinhos – o Brasil incluído – se virem menos ameaçados pelo tráfico em suas fronteiras; se cessarem as mortes, sequestros e estupros; e se vastas porções do território colombiano se reintegrarem ao Estado, estaremos diante de um mau acordo com bons frutos para todos.

Só o tempo dirá se a pax colombiana – diferentemente da romana, mantida à força pelos imperadores – foi uma iniciativa sábia.

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